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"Spotlight: Segredos Revelados" destaca a importância do jornalismo investigativo para o mundo

Atualizado: 9 de out. de 2020

Pedro Léo Medeiros


Em março de 2016, ocorreu a 88ª cerimônia do Oscar, em que Spotlight: Segredos Revelados ganhou o Oscar de Melhor Filme, superando filmes como O Regresso, O Quarto de Jack e A Grande Aposta. Tom McCarthy, o diretor do filme, era mais conhecido por dirigir alguns longas de comédia, além de escrever o roteiro da aclamada animação Up: Altas Aventuras, mas se superou fazendo um ótimo drama histórico-biográfico que rendeu seis indicações ao Oscar daquele ano. Spotlight é com certeza um filme que incomodará muitas pessoas que o verem: um longa que toca na ferida, expondo sem medo assuntos polêmicos que até hoje não foram devidamente corrigidos.


Ambientado no mundo do jornalismo, o longa conta a história verídica do escândalo de abuso sexual da Arquidiocese de Boston em 2002. O diferencial em Spotlight está no protagonismo da equipe de jornalismo investigativo do Boston Globe, que publicou uma matéria com informações sobre pedofilia dentro das instituições católicas de Boston no começo de 2002. E ao longo do ano, continuou publicando e divulgando matérias sobre o assunto, levantando centenas de casos em diferentes países. A investigação resultou em um livro que ganhou, em 2003, o Prêmio Pulitzer de Serviço Público, o prêmio máximo do Jornalismo Norte-Americano. Além de ter servido de base para o longa, que, além do Oscar de Melhor Filme em 2016, levou o prêmio de Melhor Roteiro Original e indicações em outras quatro categorias.


Com técnicas de edição simplistas, na direção contrária de filmes atuais, o longa chama atenção por sua narrativa. A investigação, lenta em um primeiro momento, vai crescendo conforme as descobertas acontecem, fazendo com que a narrativa possa ser considerada mais arrastada em algumas perspectivas. Os primeiros vinte minutos da obra, por exemplo, são muito expositivos, demonstrando apenas como funciona a equipe Spotlight e o Jornal de Boston. Porém, uma vez que as investigações prosseguem, a tensão na narrativa aumenta gradualmente, e a atenção do espectador é atraída para a trajetória dos jornalistas enquanto eles escavam um sistema de corrupção e pedofilia que envolve não só a Igreja Católica, mas a cidade de Boston como um todo, desde escolas até a Polícia.


(Quando os jornalistas descobrem que o número de padres envolvidos pode ser muito maior do que eles imaginam/Imagem: Reprodução)


A obra se inicia com o novo editor-chefe do The Boston Globe, Marty Baron (Liev Schreiber), assumindo o cargo e pedindo para que a pequena equipe Spotlight, focada em investigações criminais em diferentes setores, faça uma pesquisa sobre uma notícia até então pouco relevante. O caso da notícia em questão é centrado em um advogado chamado Mitchell Garabedian (Stanley Tucci), que diz ter provas concretas de um possível encobrimento da Arquidiocese de Boston perante o abuso sexual de crianças por um padre. Os jornalistas da Spotlight então partem para a investigação, cavando mais e mais fundo, e descobrindo não apenas outros casos encobertos pela Igreja em Boston, mas também no país e no mundo inteiro, apresentando conexões com o próprio Vaticano.


Spotlight tem alguns pontos chave para o seu sucesso. O elenco estrelado é um deles; Mark Ruffalo (Mike Rezendes) e Rachel McAdams (Sacha Pfeiffer) entregam performances esplêndidas, tendo como um bom exemplo a cena em que interpretam juntos na parte final do filme: logo após uma discussão no escritório, ambos ficam divididos entre entregar a matéria e alertar as pessoas do escândalo envolvendo o Vaticano ou esperar para denunciar o máximo de padres da igreja, forçando uma reforma no sistema católico. O dilema acaba trazendo uma profundidade para os personagens e seus próprios conflitos pessoais (Mike tem um casamento problemático e luta pela justiça, enquanto Sacha tem uma avó devota à Igreja e tem medo de magoá-la). A performance dos atores amplifica isso, com Ruffalo incorporando com perfeição a ansiedade física e a impulsividade de Rezendes, e McAdams entregando com graciosidade a curiosidade cautelosa de Pfeiffer por expressões faciais perfeitamente simuladas. O resto do elenco de Spotlight também vai muito bem, o que valoriza os personagens - por si só levemente simples, apesar do roteiro não pedir o desenvolvimento deles, sendo focado mais na investigação do que nos próprios.


(O elenco de Spotlight, da esquerda pra direita: Michael Keaton, Lieve Schreiber, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, John Slattery e Brian d’Arcy James/Foto: Kerry Hayes)


Outro ponto importante é o andamento do filme: as pequenas reviravoltas e revelações no roteiro, adaptado levemente para maior dramatização, acertam em cheio para impedir o tédio de assumir o lugar do interesse, que cresce mais e mais conforme a trama avança. De modo que o filme termina, de certa forma, agridoce aos olhos do público, por um lado com a exposição dos fatos e o aumento exponencial da denúncia de casos, mas por outro com o fato de que vários padres continuam soltos e encobertos pela Igreja Católica. Por exemplo, o Cardeal Law, o grande alvo no começo da investigação que encobriu o abuso feito pelos padres, passou sete anos tendo um importante cargo da Igreja em Roma, oferecido pelo próprio Papa após sua renúncia do cargo em Boston - um fato destacado no final do filme, junto com informações sobre denúncias ao redor do globo. Durante o filme, é levantada, por um personagem importante, a possibilidade quase absurda do próprio Vaticano estar envolvido com os escândalos, e ao final da trama, quando ocorre a exposição da conveniência desagradável do Cardeal Law indo para Roma, é passada uma mensagem bem clara: isso talvez seja apenas a ponta do iceberg.


Foram levantadas várias discussões sobre o papel jornalístico mostrado no filme, mas é indiscutível é que o filme retrata bem a importância do jornalismo investigativo. Quando é revelado que a Polícia e a Justiça podem estar envolvidas com os escândalos, a bomba cai no colo dos jornalistas, que correm atrás de expor os culpados. O maior problema é que esses criminosos fazem parte do próprio sistema que rege a comunidade, e a frase “Contra tudo e Contra todos” se aplicaria bem aqui: os jornalistas, sozinhos, “se viram” para conseguir expor os fatos, indo contra pessoas influentes na sociedade. Mas alguns desses jornalistas, como qualquer ser humano, não são totalmente inocentes, já que o filme também critica a capitalização de problemas humanitários – como os advogados se beneficiando das vítimas de abuso e o próprio jornal que não teve interesse em cobrir esses casos de abuso antes. Mas o mais importante, talvez, seja a exposição e o encorajamento ao protesto e à denúncia, como evidencia a cena final, em que, logo após a publicação, os telefones do The Boston Globe disparam com ligações e novas denúncias. O filme silenciosamente propõe o questionamento: para que serve o jornalismo investigativo? E silenciosamente ele responde também: para fazer Justiça. Para mostrar que as pessoas não estão sozinhas, que elas devem lutar por seus direitos e que não devem se calar perante a injustiça e a opressão.

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