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Polêmico, “O quinto poder” decepciona ao não fugir da zona de conforto

Sophia Lyrio Hermanny


A maior ironia de 2013 custou caro aos produtores de O quinto poder. O roteiro do filme que tematiza a história do WikiLeaks - site que divulga anonimamente conteúdos confidenciais - foi vazado pelo idealizador da rede, Julian Assange, antes do seu lançamento nas salas de cinema. Aparentemente, a película baseada no livro de Daniel Berg, seu ex-sócio, incomodou-o profundamente, o que foi manifestado em suas redes sociais. O filme foi um fracasso nas bilheterias, reembolsando apenas 8 dos 26 milhões gastos para a sua produção. Mas, afinal, esse resultado é somente fruto do feedback negativo do protagonista biografado ou a obra realmente deixa a desejar?

(Imagem: Reprodução)


O WikiLeaks publicou o seu primeiro vazamento no ano de 2006, mas foi só em 2010 que o site atingiu proporções globais. Isso se deu devido à divulgação de documentos ultrassecretos do governo norte-americano, incluindo um vídeo que flagra soldados estadunidenses executando 18 civis no Iraque, o que gerou intensa repercussão. Os arquivos foram publicados, também, durante anos por grandes jornais. Apesar de muito polêmico, o site recebeu importantes prêmios e continua realizando vazamentos até hoje. Ou seja, o diretor de O quinto poder, Bill Condon, tinha em mãos um conteúdo digno de Oscar, abarcando uma discussão muito envolvente para o público inserido no contexto contemporâneo, que é dominado pelas redes. Além disso, os escândalos envolvendo o site são recentes, o que poderia tornar a produção ainda mais intrigante caso tivessem sido bem aproveitados. A questão é: o autor não se aprofundou no essencial, e acabou deixando passar essa oportunidade. Logo nas primeiras cenas, o filme faz uma retomada desde as primeiras coberturas jornalísticas até a atualidade, quando a rede virtual vai tomando espaço do jornal impresso e as mídias tradicionais. Talvez o maior erro de Condon tenha sido não abraçar essa ideia até o final dos 124 minutos que compõem a película.


A trama se inicia quando o australiano Julian Assange (Benedict Cumberbatch) conhece Daniel Berg (Daniel Brühl) em um congresso, e o convida a se aliar ao projeto WikiLeaks. Daniel é seduzido por sua proposta: justiça social por meio do vazamento de informações, com a segurança das fontes garantida pela anonimidade. Conforme o site avança, a parceria entre os protagonistas cresce, e a vida profissional e pessoal de Daniel é sacrificada em detrimento do trabalho requerido pelo projeto. Até então, o ritmo transmitido à tela é incessante e bem conduzido, o que é explicitado pela agilidade com que os cenários mudam, pelos ambientes conturbados, bem como pela velocidade em que os personagens andam, praticamente correndo, ao longo do filme. Em geral, os eventos se sobrepõem com uma dinamicidade comum em obras que tematizam o jornalismo. Apesar disso, as cenas fundamentais para a compreensão da trama são mais longas e estáticas, de modo que o tempo é muito bem distribuído. Nesse sentido, elas ocorrem em ambientes calmos, focando principalmente no diálogo.


Após a divulgação de gravações comprometedoras retratando os abusos das tropas norte-americanas no Afeganistão, o Wikileaks está em seu ápice e, nesse momento, é revelado o conflito principal da narrativa. As fontes dos vazamentos começam a ser perseguidas e, assim, é percebido que o site não é tão seguro. Na sequência, um soldado norte-americano envia à rede milhares de documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos. A partir daí, as divergências que já surgiam, tímidas, se agravam entre Daniel e Julian. Cabe analisar que, ao decorrer do enredo, Daniel assume um papel limitador em relação a Assange, que se mostra cada vez mais voraz para atingir os seus objetivos. A justiça social pela qual o sócio se apaixonou agora reflete somente o egocentrismo de Julian, que reprova o olhar humanizado de Daniel e não mede as consequências decorrentes da transparência total de seu site. É bom lembrar que a construção dos personagens se dá a partir da perspectiva de Berg, em que o australiano é retratado como manipulador, arrogante e imprevisível enquanto ele assume as características mais amenas e equilibradas. Fica a dúvida: Seria Assange, de fato, essa figura intragável ou suas queixas em relação ao filme têm fundamento?


Um aspecto digno de questionamento é referente ao lugar concedido às mídias tradicionais no desfecho do filme. Embora a narrativa tenha se constituído de modo a ressaltar o poder da informação per si - desvinculada ao jornalismo tradicional - a solução para o maior desafio enfrentado pelo WikiLeaks surge a partir de um pacto com o The Guardian e o The New York Times. Com isso, o roteirista Josh Singer entra em contradição, confundindo o telespectador com uma quebra de expectativa infeliz e decepcionante. Por ter como embasamento o livro de Daniel Berg, sócio que não saiu do projeto de forma amigável, bom material foi o que não faltou para a produção de um roteiro ousado e convicto. Apesar disso, a sensação é de que não foi decidido ao certo a mensagem que se queria passar.

(Foto: Divulgação)


Já analisando a construção imagética do filme, o resultado é impecável. Isso fica evidente na cena em que Julian explica a Daniel como a anonimidade da rede é garantida, na qual milhares de dados se sobrepõem velozmente na tela, ilustrando a estratégia de bombardeamento de dados falsos criada por ele. Em outros momentos chave, a fotografia acompanha muito bem o ritmo exigido pela dinamicidade dos processos tecnológicos, o que chama atenção do telespectador. Ainda assim, quando o enredo nos leva às redações, o resultado fotográfico é igualmente cirúrgico. Durante o período de negociação do WikiLeaks com os grandes jornais, Daniel é retratado nesse ambiente, imerso em um cenário caótico. A desorganização das mesas, assim como o volume de pessoas andando de um lado para o outro e os diversos diálogos paralelos não deixam dúvidas. Concomitantemente, o personagem vivencia, também, uma confusão interna transmitida perfeitamente ao telespectador pela rotação da câmera ao seu redor, em velocidade crescente, revelando a angústia do personagem.


A verdade é: os produtores do filme dispuseram de recursos primorosos, tais como o aspecto visual e o elenco de apoio - muito mal conduzido, por sinal - mas não conseguiram entregar um resultado nada além de medíocre. O quinto poder não chega a ser ruim, mas até o telespectador leigo, ao fim dos 124 minutos, pode experimentar o gostinho de “eu esperava mais”. Para nós, jornalistas, a temática abordada é especialmente envolvente e necessária, de modo que essa sessão cinema ainda é bastante válida. Em ordem de prevenir possíveis frustrações, só não deixe-se levar pelas expectativas. Além disso, os bastidores da obra também são imperdíveis, abrangendo polêmicas ideais para os curiosos que não perdem uma fofoca. O destino de Julian Assange, por exemplo, é um dos pontos intrigantes: o fundador do WikiLeaks foi preso em 2019 pela Polícia Metropolitana do Reino Unido, acusado de conspiração. Entretanto, ele já respondia desde 2012 processos nos EUA por crimes informáticos e de espionagem. O grande debate é: seria a sua extradição para os Estados Unidos um atentado à liberdade de expressão, tão defendida pela Primeira Ementa, visto o caráter difusor de informação de seu site?


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