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“O Mensageiro” (2014): a difícil vida de um jornalista

Fred Vidal


O roteiro do filme “O Mensageiro” (2014), escrito por Peter Landesman, é baseado em fatos e conta os bastidores da matéria “Dark Alliance”, escrita pelo repórter Gary Webb (interpretado por Jeremy Renner). Essa reportagem ficou famosa por denunciar a cumplicidade do governo norte-americano com o tráfico de drogas durante o período da Guerra Fria. O filme mostra, por meio dessa história que aconteceu na Califórnia, as dificuldades de trabalhar como jornalista investigativo e a falta de união entre os profissionais da área. Além disso, é fácil perceber os motivos e os meios utilizados para descredibilizar uma reportagem. O drama, dirigido por Michael Cuesta, oferece diversas inspirações para se tornar um bom jornalista, entretanto dá motivos para não querer ser um.


Na esquerda, Gary Webb; na direita, o ator Jeremy Renner interpretando o jornalista (Imagem: Time Magazine)


No início do filme, são mostradas falas de políticos norte-americanos, como Ronald Reagan, que apontam a importância e a dificuldade de lidar com o tráfico de drogas no país. Uma das afirmações até iguala os traficantes a grupos terroristas. Essa introdução é fundamental para o desenrolar do filme, porque Gary Webb descobre que o próprio governo está envolvido com essas atividades ilegais, utilizando o lucro para financiar rebeldes na Revolução Sandinista, a qual pôs fim à ditadura na Nicarágua.


Gary trabalha em um pequeno jornal da Califórnia quando recebe uma ligação denunciando o tal envolvimento. A fonte é a namorada de um traficante que será julgado em poucos dias. Por não conhecer a mulher e ser uma denúncia extremamente importante, o repórter fica um pouco receoso. Entretanto, como um bom jornalista, a sua curiosidade inspiradora o leva ao encontro com a moça. Esse é o momento de conflito do filme, já que Gary decide investigar a história mesmo sem a aprovação de sua editora Anna.


Ela dá o aval para a investigação, mas é visível que não confia no trabalho dele, por mais que ele tenha conseguido boas informações e um documento. Esse é o primeiro problema de Gary: a falta de apoio e a desconfiança por parte dos seus companheiros de trabalho. Mesmo assim, ele continua, incansavelmente, a sua procura por depoimentos que comprovem a denúncia. Primeiro, vai a uma cadeia, onde conversa com o principal vendedor de cocaína do estado e um advogado. Nessa conversa, ele consegue informações do traficante aliado ao governo: Danilo Blandón, que, posteriormente em um julgamento, explica como funciona o esquema e o envolvimento da CIA.


O trabalho de campo feito por Gary Webb é espetacular. Ele conversa com diversos informantes, viaja à Nicarágua para ouvir o sócio e o banqueiro do esquema e aguenta firme as ameaças feitas por agentes da CIA. Após publicada, sua matéria causa protestos por parte da comunidade afro-americana, principal vítima da “epidemia do crack”, tanto pelo número de pessoas viciadas como pela violência decorrente do tráfico. As descobertas também lhe rendem o prêmio Pulitzer de “Jornalista do ano”. Porém, ele comete um erro fatal: não grava nenhum dos depoimentos e não colhe documentos, apenas os anota em seu caderninho. Sendo assim, os outros veículos da imprensa, motivados pela irritação de não terem dado o furo, descredibilizam sua reportagem. Além disso, utilizam acontecimentos pessoais para atacá-lo, como o fato dele ter traído a esposa anos antes. Nesse caos, é perceptível que os seus companheiros de trabalho não o apoiam. Pelo contrário, o movem para uma filial em uma cidade pequena, fazendo com que ele se demita. Essa falta de união da imprensa destrói a sua reputação e abafa o caso, que é confirmado pela própria CIA anos depois, em 1998. Gary Webb não consegue mais arrumar um emprego e se suicida, em 2004, com dois tiros na cabeça.


A motivação política faz com que a CIA contorne as denúncias, utilizando a imprensa para atacar o repórter e ameaçando os informantes a desmentirem as informações. Isso é bem explicitado quando Anna diz ao Gary que o caso não é mais sobre o governo, é sobre ele. Essas atitudes mostram como é duro ser um jornalista investigativo, não só pela dificuldade do trabalho, mas também pelas consequências negativas que a reportagem pode trazer, dependendo de quem é investigado. Outra triste conclusão é a forte competitividade entre os veículos de imprensa, que se preocupam mais com a reputação do que com a informação. O filme soa até como uma crítica ao ambiente do jornalismo, retratado como uma área extremamente competitiva e que não premia os bons trabalhos.


Todavia, o ímpeto do Gary é inspirador. Apesar do seu erro com as provas, a sua busca por informação, indo atrás de depoimentos, mesmo que fosse numa prisão nicaraguense, é motivo de orgulho para todos que querem seguir a profissão. Por isso, é recomendável que todos os estudantes de jornalismo vejam esse filme, para se inspirar e entender os problemas que terão de enfrentar. A maior reportagem de 1996, uma grande amenização da “epidemia do crack” nos Estados Unidos, protestos da comunidade afro-americana e uma suposta renovação na CIA foram causadas pela curiosidade de Gary Webb, que não foi um herói, mas amava o jornalismo.



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