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"O Diabo Veste Prada" mostra que os bastidores da moda não são tão glamourosos

Atualizado: 9 de out. de 2020

O Diabo Veste Prada revela o quão difícil é trabalhar em publicações de moda mostrando os bastidores de uma das revistas mais famosas do mundo de forma ficcional.

Maria Rita Garcez

“Quem vê ‘close’, não vê corre”, uma frase popularizada pelas redes sociais, descreve exatamente como é trabalhar para Runway, a revista de moda do filme O Diabo Veste Prada. De fato, os looks esplêndidos do longa mascaram uma realidade tensa para quem trabalha no mundo da moda. Andy (personagem principal) sofre bastante com o novo emprego: o de assistente pessoal da Miranda Priestly, a poderosa editora-chefe da redação, que é uma pessoa um tanto arrogante e exploradora. Ao que parece, os abusos retratados estão bem longe de serem somente ficção. Inclusive, recentemente aconteceu um caso de assédio moral na Vogue Brasil.

(Foto do pôster do filme/Imagem: Reprodução)


O filme de 109 minutos foi baseado no livro, best-seller do New York Times, O Diabo Veste Prada, escrito por Lauren Weisberger, que conta, de forma ficcional, experiências de trabalho da autora como assistente pessoal de Anna Wintour, editora-chefe da Vogue EUA e considerada a editora mais influente de moda. A obra é essencial para os amantes do assunto, principalmente por apresentar figurinos de grifes famosas e por se passar em algumas das cidades mais importantes para o mundo da moda. Mas não deixa de ser uma fantasia romanceada.


O longa teve uma das maiores bilheterias de 2006, ano em que foi lançado. Um sucesso estrondoso que rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz para Meryl Streep, que depois de dez anos se encontrou com Anna Wintour, quem inspirou a personagem. Além de Streep atuando como Miranda Priestly, editora-chefe da revista, há Anne Hathaway como Andrea Sachs (Andy), Emily Blunt como Emily Charlton, outra assistente pessoal de Priestly e Stanley Tucci como Nigel Kipling, braço direito da editora-chefe e diretor de arte da Runway. A modelo brasileira Gisele Bündchen também faz uma participação como Serena, uma funcionária da revista.


Falando de atuação, Meryl Streep está perfeita em O Diabo Veste Prada. Você consegue ver a frieza da editora com as pessoas e sua apatia com quem não interessa apenas com um olhar de Miranda. Streep realmente incorporou essa deusa da moda que Miranda Priestly era para os funcionários, ela agia como tal ser superior. Interessante isso porque, no imaginário religioso, o sagrado é algo que envolve medo e adoração (só lembrar que as religiões adoram certos elementos e personalidades, ao mesmo tempo em que existe aquele medo de ir para o inferno como retaliação das divindades).


Anne Hathaway também está maravilhosa. Porém, a atriz quase não conseguiu o papel. Em entrevista ao IndieWire, uma das produtoras falou que a FOX não queria Hathaway porque ela tinha acabado de fazer O Diário da Princesa 2: Casamento Real, alegando que o público-alvo dos filmes não era o mesmo. Para alegria de todos, o papel caiu como uma luva para Anne, que foi aclamadíssima. Durante o filme, percebe-se a evolução da personagem. No início, ela era o peixe fora d’água que não sabia escrever “Gabbana” e acaba se inserindo no mundo da moda, passando a respeitá-lo. Hathaway consegue nos fazer pirar junto com a personagem quando Miranda fazia aqueles pedidos impossíveis. A gente fica torcendo para a assistente conseguir chegar a tempo, tendo feito tudo o que foi pedido. Ficamos também com medo da demissão quando tudo não parece ter mais jeito.


Além do elenco, o longa se tornou um sucesso devido a esse aprofundamento do mundo da moda. Um meio que é opulento, elegante, bonito de se ver, mas ao mesmo tempo é cruel, carniceiro e frio. Muitas pessoas, desde cedo, querem trabalhar com isso e não fazem a mínima ideia de como é. A produção também foi muito bem feita e fiel às atrocidades que acontecem nesse meio. Um filme que foi inspirado na Vogue estadunidense e em Anna Wintour não poderia estar fadado ao fracasso. Wintour é a excelência máxima da moda e a obra nos permitiu sentir e saber mais como ela é, já que a editora é mais reservada.


Logo no início, a primeira cena mostra diversas mulheres se vestindo para ir ao trabalho embalada ao ritmo de “Suddenly I See”, uma música que fala sobre uma garota cosmopolita que tem todos a sua palma da mão. Emblemático, não? E isso tem um motivo: muitas garotas almejam esse estilo de vida de glamour, viagens, emprego do sonhos, independência e elegância. Ao longo do filme, vemos que a Andy é “super privilegiada” por ter essa oportunidade de respirar moda. A frase que ela ouve quando ela diz que é assistente pessoal de Miranda é que “Milhões de garotas matariam para ter esse trabalho”.


Mas nem tudo são flores, o emprego dos sonhos pode virar um pesadelo. Sua chefe, Miranda Priestly, é uma tirana e tudo tem que ser exatamente como ela quer. Quando Andy está chega na revista e conversa com Emily, o telefone toca e todos começam a correr. Eles estão se preparando para o Diabo que está vindo. A novata não entende o que está acontecendo, mas logo o espectador se depara com a chefona que adentra o trabalho com uma cena que explica o título do filme. A editora-chefe caminha, enquanto há um foco no que ela veste (o que foi uma das melhores sacadas do filme, já que Wintour também é fã de Prada): uma bolsa cinza Prada do ano de 2005.

(Frame do filme/Imagem: Reprodução)


Quando ela chega ao andar – e nos deparamos com aquela cena icônica do filme em que ela balança a cabeça e tira os óculos – e adentra a redação, percebe-se que poucas pessoas falam diretamente com Priestly. Se prestarmos atenção, há pessoas no fundo, que, quando se deparam com a editora, mudam os seus rumos, abaixam a cabeça e não mantêm contato visual com a poderosa. Essa sequência de cenas mostra a tensão que era trabalhar com ela e cria um imaginário de que era muito difícil estar na mesma atmosfera que Miranda, que era perfeccionista e turrona ao extremo.


Uma das viradas mais encantadoras do filme talvez seja uma das mais problemáticas. Quando Andy leva uma bronca por não ter conseguido o voo que Miranda pediu, ela chora e pede ajuda a Nigel para mudar o visual. A cena que mostra elementos da cidade com a passagem de looks durante sua ida ao trabalho é maravilhosa. Há informação de moda, personalidade e estilo. A trilha sonora à la Madonna, “Vogue”, serve como plano de fundo, além da própria Nova Iorque. Ela chega à revista deixando Emily e Serena boquiabertas com a metamorfose que ela sofreu, indo de uma garota que vestia roupas básicas a uma fashionista que usa botas Chanel. De fato, era ali que ela vendia sua alma ao Diabo. Muitas vezes, o profissional que quer trabalhar nessa área precisa se adequar para não ser mal visto ou conseguir a credibilidade que tanto almeja. Acaba que ele se distancia do seu “eu”, da sua essência original.


Além disso, como Andy, que recebia um salário baixo, tinha acesso a tantas roupas de grife? Bom, no filme, fica implícito que ela conseguia as peças do enorme acervo da revista. Mas, o acervo não possuía peças de todos os tamanhos. Nigel até falou que não ia ter nada para Sachs, porque ela vestia 38 e lá os tamanhos, em sua maioria, eram menores. A assistente também recebia alguns produtos de Miranda. Isso ocorre muito no jornalismo. As empresas mandam produtos para que saiam em algum editorial ou alguma boa resenha, sem pagar pela publicidade, o famoso “jabá”. Dessa forma, elas aumentam as vendas, já que eles apareceram na publicação.


O filme também mostra as imposições que a moda faz na vida das pessoas. Charlton, a primeira assistente pessoal de Miranda, faz uma dieta maluca para a sonhada viagem à Paris. Ela fica sem comer por horas e, quando está prestes a desmaiar, come um pequeno pedaço de queijo. Uma das falas da personagem é especialmente bizarra: “Estou apenas a uma gastroenterite de distância do peso ideal”. Isso tudo vindo de uma época que saía do padrão Heroin Chic dos anos 90, representado por Kate Moss (modelos ossudas, bem magras, com olhar cansado e aspecto mais andrógino), e indo ao Magreza Saudável do anos 2000, representado por Gisele Bündchen (modelos magras e altas com aspecto saudável e sexy, por conta das curvas). Mas, só por esse discurso da personagem de Emily Blunt, dá para ver que nada tinha mudado e que transtornos alimentares eram praticados com normalidade em prol do corpo perfeito.

(Colagem de fotos feita por Maria Rita Garcez/Imagens: Reprodução)


O filme também demonstra a relevância de opinião que as revista de moda possuem. Para algo se tornar tendência, precisa de aprovação pelas publicações, que moldam o que seus leitores irão comprar ou não. Se na época não existiam os digital influencers, as revistas de moda eram um parâmetro para definir o estilo e a personalidade das pessoas, principalmente das mulheres. O Diabo Veste Prada deixa isso bem claro, se Miranda não aprova, não há sucesso naquela peça ou coleção. Além disso, ele mostra o quão superior as pessoas se sentem por trabalharem com moda, principalmente as com cargos altos. Priestly pouco se importa com seus funcionários, Emily também adora se desfazer de Andy no início, mesmo que as duas sejam assistentes, porém Charlton é a primeira, mostrando que é um ciclo vicioso de poder e humilhação.


Outro ponto recorrente no filme é o conflito: vida pessoal X trabalho. Na real, Andy e os outros funcionários eram explorados. Sachs largou tudo para cursar Jornalismo, foi para Nova Iorque para escrever e não fazia isso. Pelo contrário, ela se desdobrava em mil, fazendo o impossível para satisfazer Miranda. Isso, infelizmente, é verossimilhante. Há diversos jornalistas que trabalham em outros postos de emprego a fim de se tornarem editores. Ela também ficava até tarde no trabalho e tinha que estar preparada para qualquer ligação da chefe, abdicando da sua vida pessoal com a máxima de que quanto mais fracassados fossem seus relacionamentos interpessoais, mais sucesso profissional ela alcançaria, mantra fiel à realidade também.


Esses abusos estão longe de ser ficção. Recentemente, a Daniela Falcão, diretora-geral da Globo Condé Nast, responsável pelas publicações Vogue Brasil, GQ Brasil, Glamour e Casa Vogue, foi alvo de um exposed feito por 27 pessoas que denunciaram assédio moral por parte da jornalista. Os relatos são sobre terror psicológico, gritos, humilhações e jornadas de trabalho exaustivas que os ex-funcionários sofriam na Vogue Brasil em São Paulo. Além desse caso, Anna Wintour, que serviu de inspiração para Miranda, é conhecida como essa editora exigente, frívola e dura. Inclusive, há boatos de que, na estreia do filme, muitas personalidades da indústria da moda evitaram ir ao evento por medo da reação de Wintour. E tem mais: boa parte dos ex-funcionários ainda nutre um sentimento de admiração por ambas editoras, elogiando o profissionalismo das duas.


Ainda falando sobre essa relação abusiva entre chefe e funcionário, a Andy, a Emily e os funcionários da Vogue Brasil não veneram as editoras à toa. Ver raros momentos de fragilidade humana fomentam isso, já que o diretor e Streep transmitem a tristeza de uma mulher prestes a se divorciar. As cenas escuras e as conversas mais intimistas entre Andy e Miranda, que está sozinha em sua casa, sentada pensando e chorando no que aconteceu para chegar naquele ponto, tendem a fazer o espectador simpatizar com a editora-chefe.


O longa mostra ali também algumas das consequências dessa vida que Priestly levava. Nessa parte, também é falado sobre o jornalismo de fofoca, que está interessado na vida pessoal de famosos e quando descobrem uma polêmica não medem as palavras. Ok, embora Miranda fosse um diabo, ela também era humana. Inúmeras vezes durante o filme a própria Sachs, que já tinha presenciado essas ocasiões de fragilidade, defende a chefe e ela inclusive tenta ajudá-la no final do filme. Talvez por isso que a personagem não seja vista como a vilã que ela é. Essa dualidade é apresentada, não só sobre Miranda, mas sobre a indústria em si.

(Cena conhecida como “Discurso do Cerúleo”/Imagem: Reprodução)


O longa não demoniza a indústria, pelo contrário. O monólogo de Priestly, na parte inicial, conhecido como o “discurso do cerúleo”, dá uma aula de moda e negócios, além de exaltar a área. Nessa hora, a editora coloca Sachs no devido lugar. Ela se achava superior às meninas que considerava fúteis por trabalharem ali, e a editora conta que a moda emprega várias pessoas, direta ou indiretamente. Explica também que até mesmo as roupas que a assistente usa, por mais baratas e básicas que sejam, têm uma história a ser contada. Isso é fato, basta fazer uma observação dos looks alheios quando saímos de casa. Logo, percebemos que um indivíduo, por mais que seja afastado desse meio ou desinteressado pelo mesmo, usa roupas, mesmo que inconscientemente, que as grandes marcas criaram. Marcas que possuem uma história de décadas e criaram ícones por meio de suas peças. Isso mostra que a moda é muito mais importante do que se pensa. Não é apenas se vestir, é mostrar ao mundo uma parte da sua personalidade. O estilo visual expressa a identidade de um indivíduo ou de uma época.


No entanto, ao longo do filme, vemos que a indústria da moda não é nada fácil e é bem perversa. A própria Miranda traiu seu braço direito para continuar trabalhando na Runway, a exploração de trabalho e a má remuneração também estão presentes e são criticadas pelos personagens do Nate (namorado da Andy) e do pai de Sachs. Isso mostra também que o longa não “passa pano”, outra expressão utilizada na internet para defender personalidades famosas, para os abusos que os funcionários da moda sofrem. Acaba que, no final, Andy pede desculpas a seu namorado, que parecia não apoiá-la, mas depois Sachs entende que, no fundo, ele queria que ela fosse tratada com dignidade pela sua chefe.


O filme sem dúvidas foi um marco cinematográfico, além de ser um ícone para os amantes de moda. É, até os dias de hoje, reverenciado por muitos e tópico de discussão de Twitter. Vale a pena assistir e mergulhar nos bastidores da indústria para entender um pouco da importância da mesma. Mas, infelizmente, ainda vemos muitas Andys trabalhando exaustivamente para essa manutenção do imaginário opulento e glamouroso da moda. Essa parte nada legal do meio também é vista e nos ajuda a entender que a indústria ainda é muito tóxica. O longa é a luz que precisamos para enxergar as várias facetas da moda.


Filme disponível no TelecinePlay.


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