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GOTHAM 1889: Uma leitura sobre o sensacionalismo midiático

Isa Morena Vista


O Batman se consolidou como um dos heróis mais amados e lidos da história, tendo uma quantidade enorme de fãs fiéis. Com isso, diversas histórias sobre o vigilante foram escritas ao longo dos 82 anos desde sua criação, incluindo uma das mais intrigantes e sensacionais HQs do Homem-Morcego, chamada de “Batman: Gotham 1889”, escrita por Brian Augustyn e ilustrada por Michael Mignola, P. Craig Russell e David Hornung, em que vemos o super-herói com as mesmas características, mas em um tempo completamente diferente: o século XIX. Ah, e junto a isso, ele precisa deter, ninguém mais, ninguém menos, que o notório Jack, o Estripador.

(Capa de Batman: Gotham 1889 / Imagem: DC Comics)


A história começa com Bruce Wayne tendo aulas com uma das maiores figuras da psicologia, Sigmund Freud, que, é claro, mesmo tendo apenas seus serviços como professor requisitados, tenta analisar os sonhos que o homem tem relacionados ao assassinato de seus pais (uma das partes mais significativas, se não a mais, da vida do personagem), mas o ricaço rejeita o exame do pai da psicanálise. Depois de terminadas suas sessões, Wayne retorna a sua cidade natal, Gotham, que cresceu consideravelmente, com aumento de indústrias e dos crimes, tecendo-se, implicitamente, uma comparação com Londres da época. Então, o milionário passa a vestir seu traje, que tem algumas adaptações para servir à moda da época em que se passa, o que ambienta ainda mais o leitor na atmosfera de 1889.

Em paralelo a isso, o infame assassino Jack, o Estripador, deixa a metrópole inglesa, onde ele teria executado 5 mulheres e passa a atuar na cidade fictícia, como podemos ver em algumas cenas da HQ, a partir de seu ponto de vista. Com o início da atuação do serial killer coincidindo com o do herói na cidade, o principal jornal do local, “The Gotham Guardian”, passa a comentar sobre isso, com matérias extremamente chamativas como “JACK, O ESTRIPADOR EM GOTHAM? Crimes horrendos lembram as mortes em Londres!”, criando um clima de terror e suspense para a história que é baseada em relatos já assustadores. No entanto, o quanto de semelhança a atuação jornalística da vida real teve com a da ficção? Qual a proporção do horror deste caso icônico foi criada pela mídia, transformando sua figura central em um personagem, como o Batman?


(Página da HQ Batman: Gotham 1889 com o recorte da capa de jornal / Reprodução: DC Comics)


Na HQ, Jack manda cartas para a polícia de Gotham, assim como fez no evento real. Ou será que realmente escreveu? Muitas das supostas correspondências associadas ao assassino são falsas ou não têm sua veracidade confirmada. Em 1931, o jornalista Fred Best do “The Star” assumiu a autoria, junto de outro colega de trabalho, do famoso cartão-postal apelidado “Saucy Jacky”, dizendo que teria realizado tal ato para aumentar as vendas do jornal, isso, porém, continua sendo apenas uma suposição. Outra forte hipótese é de que a Central News Agency seria a autora de grande parte das cartas, já que a agência era bem conhecida em Londres por forjar notícias para ganhar audiência. De qualquer forma, o caso garantiu muita atenção do público que religiosamente acompanhava as manchetes durante os meses de atuação de Jack (ou dos “Jacks”, se os crimes foram cometidos por mais de uma pessoa). E em “Gotham 1889” não é diferente, os recortes de jornal que ocupam estrategicamente duas páginas captam a essência do pavor provocado pelos assassinatos e pelo sensacionalismo midiático da época.

(Suposto cartão-postal enviado por Jack, o Estripador denominado “Saucy Jacky” / Imagem: Wikimedia)


(As imagens dos recortes das manchetes na HQ / Reprodução: DC Comics)

Continuando a aventura do herói, Bruce é injustamente acusado de ser o assassino, quando a arma do crime é plantada em sua casa e encontrada pela polícia de Gotham. Ele passa por um julgamento em que Jacob Packer, amigo de seu falecido pai, é seu advogado e o velho conhecido dos fãs do herói, Harvey Dent (o Duas-Caras) é o promotor do caso. O milionário é condenado à forca representando, simbolicamente, os vários perfis montados para o culpado do caso que não levaram a lugar algum. Um exemplo real disso foi John Pizer, um morador da região que foi preso apenas por conta do apelido que tinha, “Avental de Couro”. Esse nome coincidia com o qual o “Manchester Guardian” havia dito que a polícia teria dado ao assassino em uma de suas reportagens, segundo conta o historiador Donald Rumbelow em seu livro “The Complete Jack the Ripper”. E é claro que, como todo bom jornal, o “The Gotham Guardian” estampa em sua capa a cara de Bruce Wayne com as palavras que, possivelmente, têm um poder de sentença maior do que as do júri: Assassino.

Logo, nosso Batman é mandado para a prisão, e passa a investigar os crimes em busca do assassino que não só matou tantas pessoas, mas que também o sentenciou à morte. Os dias passam e, com a data de sua execução se aproximando e a falta de pistas sobre o estripador, Bruce vai perdendo sua sanidade, e então, em um ataque de fúria joga todas as provas que coletou no chão. Mas é claro que como toda boa história de super-herói, o personagem acha, em meio aos papéis jogados e no seu momento de desespero maior, quando tudo parece perdido, a peça que precisava para completar esse quebra-cabeça. Ao observar uma foto de seu pai na guerra civil americana, percebe que a bandeira de seu regimento tem o mesmo símbolo encravado na faca do crime. Bruce Wayne, assim, tem seu culpado: Jacob Packer, o amigo de seu pai, que também fazia parte da divisão que lutou na Guerra de Secessão e era o único que poderia ser dono do objeto, já que nenhum dos outros homens do regimento estava na cidade ou vivo. Então, o homem-morcego entra em ação e de uma vez por todas captura o assassino.

Todavia, a vida real não é assim. Na realidade não existem super-heróis. O que temos são detetives frustrados, manchetes escandalizadas, pessoas acusadas injustamente e as vidas de cinco vítimas interrompidas. As notícias vinculadas ao caso de Jack, o Estripador são uma demonstração de como grande parte da mídia sempre pecou na cobertura de grandes crimes, tendendo a um sensacionalismo barato para trazer audiência e, por fim, um público instigado a saber mais das barbaridades que estão ocorrendo ao seu redor. Assim, a sede de venda de diversos veículos atrapalhou significativamente as investigações, que acabaram estacionando em um local infeliz quando se trata de atrocidades deste tipo: lugar nenhum.



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