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“Frost/Nixon”: parece que um dos piores presidentes da história não merece mais que um filme mediano

Luana Reis


Não precisa ser nenhum expert em História Geral para saber que o republicano Richard Nixon foi um dos piores presidentes que os Estados Unidos já teve. Pensem em um chefe de Estado tão ruim que precisou renunciar o cargo para não sofrer um processo de impeachment que era quase certo. Ele deu o tremendo azar de estar sentado na cadeira do Salão Oval quando estourou o primeiro choque do petróleo, em 1973, não fez nada que prestasse na Guerra do Vietnã e, para a cereja do bolo, veio o Escândalo de Watergate: a exposição de um esquema sem vergonha de espionar seus opositores políticos. Alguém consegue defender? Para nos relembrar desse caos, “Frost/Nixon” conta a história da série de entrevistas concedidas pelo ex-presidente, após a sua renúncia, para o entrevistador e apresentador de talk show, David Frost. Com uma superprodução digna de um Oscar e um roteiro bem morno, não vale a pena para quem realmente quiser aprender algo sobre bom jornalismo, Richard Nixon, ou o xadrez político dos Estados Unidos. Para isso, você pode procurar as gravações originais ao invés de perder duas horas do seu dia.


(Imagem: Reprodução)


O filme inicia com vários trechos de quando o Escândalo de Watergate explodiu, com cenas de reportagens, debates, rostos de autoridades preocupadas, estadunidenses revoltados, até o discurso do Nixon anunciando a sua renúncia do cargo. Os cortes são bem rápidos, mas dão uma contextualização razoável para quem andou faltando aulas de História. Nos dá aquela sensação de frio na barriga de quando sai um furo de reportagem na mídia, ansiosos para saber o que pode acontecer em seguida. É um começo emocionante, daqueles que prende o espectador.


E então o filme dá uma esfriada. Uma pena, porque ele é melhor quando servido quente. Somos apresentados a David Frost, um apresentador britânico carismático, “com fama de playboy”, conforme o assessor do Nixon descreve no filme, que não se interessava muito pelo mundo da política e trabalhava apenas na área do entretenimento. Mas a renúncia do presidente dos EUA chama sua atenção e Frost coloca na cabeça que gostaria de realizar uma entrevista com ele. Esse momento é um ponto-chave da narrativa, mas não é devidamente desenvolvido no roteiro, então fica uma espécie de “salto lógico” na nossa cabeça, não muito claro o porquê desse desejo. Parece até uma decisão aleatória. Chega a ser engraçado, porque os próprios personagens do filme estranham essa vontade. É como se fosse o Faustão entrevistando a Dilma Rousseff. Não faz o menor sentido. Só não dá pra reclamar mais porque isso realmente aconteceu na vida real. O filme só não explica como.


A atuação do Michael Sheen como David Frost no começo do filme é realmente muito ruim. Não tem palavra para descrever além de péssima. Com o desenrolar da narrativa, o desenvolvimento do personagem e conforme o apresentador amadurece, isso melhora. Ainda bem. Mas, no começo do filme, David Frost é carismático até demais. A entonação na fala e a linguagem corporal dele não são nem um pouco naturais. Simplesmente ridículo, como um personagem do “Zorra Total”. Só é difícil de dizer se está pior do que a atuação do Frank Langella, responsável por interpretar o Richard Nixon mais travado de toda a história. Um manequim teria maior desenvoltura para o papel. Até melhora nas últimas cenas, mas não muito.


Algo que dá pena de assistir é a falta de utilidade para a atriz Rebecca Hall nesse filme. Ela mal fala, não toma decisões e se tirarmos seu personagem do roteiro, não muda absolutamente nada no desenvolvimento da história. Provavelmente, os produtores sentiram falta de uma personagem feminina e inventaram Caroline Cushing, que parece que só foi contratada para namorar David Frost e aumentar a profundidade do desenvolvimento da personalidade do apresentador durante a narrativa. Até o momento em que ela entra na vida do personagem principal não faz o menor sentido. Ele está em um avião, a caminho de se encontrar com Richard Nixon, quando a conhece. Depois de umas bebidas e uma breve conversa, ela é simplesmente convidada para conhecer o ex-presidente dos Estados Unidos. Tão estranho. Quer dizer, o dia-a-dia das estrelas de televisão é assim mesmo?


Algo interessante no filme é o uso das “talking heads”, aqueles momentos em que uma pessoa fala diretamente com a câmera, com os próprios personagens do filme, que agrega valor para os acontecimentos, nos permitindo conhecer melhor suas atitudes e personalidades no desenvolvimento da história. Mas os únicos que ficam de fora são justamente David Frost e Richard Nixon. A ideia de dar um certo mistério para essas duas personalidades é muito boa, mas é uma pena que as péssimas performances de Frank Langella e de Michael Sheen, além do roteiro meia-boca, acabem nos impedindo de entender essas ilustres figuras. A princípio, parece que é suspense intencional, mas no final fica claro que é apenas mais um defeito da produção. Isso acaba gerando protagonistas com os quais o público não consegue se conectar. Você provavelmente já não gosta do Nixon, mas também não vai ficar com vontade de torcer pro Frost.


Por outro lado, a cinematografia é impecável, com uma edição e mixagem de som que são capazes de deixar qualquer fã de audiovisual de queixo caído. Maldita seja a Universal Pictures por fazer uma produção tão boa para um filme tão mediano! Um ponto positivo a ser destacado é a movimentação das câmeras, sempre dinâmica. Não ficamos parados assistindo a cena, é como se o cinegrafista nos fizesse acompanhar os personagens, além de focar em vários objetos de interesse na construção do cenário, ao invés de apenas nos atores.


A primeira hora do filme é bem fraca. Mesmo. Você, como espectador, não entende o que Faustão da Inglaterra busca em um bate-papo com o Richard Nixon. Os personagens da trama também não entendem. A equipe do ex-presidente? Também não. Tanto é que David Frost encontra muita dificuldade para negociar a transmissão dessa entrevista com uma emissora. Ninguém aceita. Mas a melhor parte, ou a pior, é que nos parece que o próprio David Frost também não sabe! Nas cenas em que ele está conversando com os editores de programas de televisão, as justificativas são péssimas! Ele diz que gostaria de conhecer o homem. Até que um outro jornalista ouve essa baboseira e responde dizendo que caso tivesse a oportunidade de entrevistar Nixon, daria o julgamento que ele nunca teve. Afinal, uma das maiores polêmicas foi o fato de ele ter cometido uma clara infração da lei no caso Watergate, mas assim que Gerald Ford assumiu a presidência, após a renúncia, esse crime foi perdoado. Esse episódio deixou milhares de estadunidenses extremamente furiosos, além dos horrores da Guerra do Vietnã. Certamente, o que não faltam são bons motivos para um jornalista buscar uma conversa com o ex-presidente.


Mas enfim Frost consegue a entrevista e o filme começa a esquentar de novo. Nixon aceita porque quer ter a chance de esclarecer os escândalos e lembrar as pessoas de que seu mandato não foi de todo ruim. Inclusive, essa é uma cena muito tosca, porque o ex-presidente não mostra absolutamente nenhum sinal de emoção durante a maior crise de gestão de imagem da sua vida. Imagina, um país inteiro querendo pular no seu pescoço, literalmente, mas você está super tranquilo. Vamos lembrar que o bate-papo com David Frost foi a primeira vez que ele apareceu publicamente desde que renunciou ao cargo. Importante, né? Essa calma seria porque a atuação está fraca ou porque Nixon realmente não poderia se importar menos? Bom, considerando que ele estava tomando essas decisões de sua mansão na Califórnia, absolvido de todas as acusações, pensar na segunda opção também não é tão absurdo.


Nessa altura da história, David Frost menciona que gostaria de fazer sucesso nos Estados Unidos, o que ainda não nos parece suficiente ou tão nobre para justificar a sua busca incessante por essa entrevista, mas serve. Qualquer espectador que tem um mínimo de respeito pela imprensa vai detestar o David Frost até o momento da entrevista, porque como um dos próprios personagens descreve, ele não se mostra como um jornalista, mas como um artista. Assim como o ex-presidente, seus assessores esperavam que essa entrevista pudesse ser uma oportunidade para melhorar a sua imagem, porque eles não acreditavam que David Frost fosse capaz de fazer perguntas inteligentes, que questionassem suas atitudes quando chefe de Estado. No entanto, mais dois jornalistas aparecem nessa história e dão um belo de um sacode no apresentador para ele preparar uma boa entrevista. Ainda dá muita raiva em quem assiste porque, enquanto todos estão fazendo um trabalho com muita seriedade, cheio de pesquisas e investigações, Frost só pensa em namorar e não se esforça tanto na elaboração da pauta, algo muito incoerente com o desenvolvimento do personagem. Porém, a forma como o filme retrata esse processo é muito empolgante. Simplesmente sensacional acompanhar os ensaios, o desenvolvimento das perguntas e as tentativas de conseguir um verdadeiro furo com a oportunidade de conversar com uma figura tão importante. Deixa qualquer um com vontade de se tornar um jornalista.


Mas as primeiras entrevistas são um fracasso. Não é por acaso, porque David Frost claramente não estava preparado. Nesse sentido, “Frost/Nixon” é perfeito para assustar qualquer foca que esteja de corpo mole para fazer o seu dever de casa. Vemos que, como todos tentam alertar, esse encontro é muito mais do que um simples bate-papo. Nixon chega preparado para um verdadeiro duelo. Enquanto milhares de pessoas confiavam em David esperando um julgamento e uma confissão do ex-presidente, ele pretendia limpar a sua imagem. Mas apenas um dos interesses poderia prevalecer. Conheça o campo de batalha: quatro encontros, cada um com duas horas de duração, em dias diferentes. Dois homens. Duas poltronas. Para além de toda investigação, documento, apenas uma entrevista jornalística no formato audiovisual seria capaz de nos trazer a possibilidade de ver a expressão facial de um Richard Nixon enquadrado, surpreso depois de ouvir aquela pergunta.


Surpreendentemente, David Frost consegue essa confissão. Nos primeiros dias, Nixon consegue usar o tempo totalmente a seu favor, com respostas longas e sem nenhuma informação. Ele não se compromete e até consegue passar uma boa impressão para o público, que parece magicamente esquecer todos os defeitos do seu governo. Se você ver a cena, vai perceber que essa “redenção” nem parece tão absurda, porque aqui Frank Langella começa a ter uma boa performance e nos traz um verdadeiro espetáculo de oratória. Com um tom de voz manso como o de uma pessoa sem segundas intenções, Nixon se coloca muito próximo a um verdadeiro xeque-mate. Conforme combinado entre a equipe de jornalistas e a assessoria do ex-presidente, o escândalo de Watergate não poderia ocupar mais do que um quarto do tempo total de entrevista e seria abordado apenas no quarto encontro. Com uma clara desvantagem em mãos e a possibilidade de manchar a sua carreira, Frost tem uma epifania e começa a realmente estudar para puxar o tapete do ex-presidente e conseguir o furo que todos esperavam. Seria mais legal ver essa proatividade desde o começo e não depois da cena em que ele é ameaçado de perder o posto de apresentador do seu programa. Mas tudo bem, o roteiro já tem um milhão de defeitos até esse ponto da narrativa e esse nem é o pior deles.


Senhoras e senhores, o momento pelo qual todos nós estávamos esperando chegou. David Frost e Richard Nixon entram em um debate caloroso. Percebemos que a postura do entrevistador é mais assertiva e como ele começa a se posicionar para conseguir as informações que busca. É de roer as unhas, puxar os cabelos. Nessa hora, o roteirista acertou a mão ao construir os diálogos. Richard Nixon aumentando o tom de voz e admitindo que tomou medidas ilegais para defender o que seriam os interesses da nação, segundo ele, é uma cena tão marcante que nos faz esquecer o resto do filme. Para nos enlouquecer de vez, com célebres frases que foram ditas na verdadeira entrevista, ele ainda alega que tinha permissão para essas atitudes por ser o presidente, reafirma e completa: “Se você quer que eu me jogue no chão e me humilhe, não, nunca!” Depois desse forte discurso, apenas o poder reducionista de um close-up, capaz de rebaixar e fragilizar uma pessoa, que somente o recurso da televisão poderia nos dar: o rosto de um Richard Nixon amargo, que errou. Talvez um pouquinho arrependido. Mas gravado para sempre.


Para uma pequena degustação de voltar no tempo, aqui tem uma breve reportagem de 1977 que fala sobre a série de entrevistas concedidas.


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