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Zuzu Angel: do tropicalismo nacional à moda-protesto

Atualizado: 12 de fev. de 2022

Mylena Larrubia


Ela foi tema de livros, reportagens e até de uma canção de Chico Buarque. Mas não foi apenas assim que Zuzu Angel, estilista de Curvelo, Minas Gerais, teve algo comunicado. De uma forma um pouco diferente, através de seus designs de roupas, ela mesma deu voz a seu país e a uma tragédia pessoal: o desaparecimento de seu filho, Stuart Angel, durante a Ditadura Militar. Enquanto isso, a artista se tornou uma das primeiras brasileiras a alcançar reconhecimento internacional por seu trabalho. Usando de seu lugar de prestígio social, ultrapassou as fronteiras da moda, utilizando-a para se fazer presente na dinâmica sociopolítica do Brasil durante seu tempo de vida.


(Filha, Hildegard Angel, à esquerda, e Zuzu, à direita / Imagem: Acervo Instituto Zuzu Angel)


O que, como se diz popularmente, “está na moda” é uma construção social, normalmente guiada por grupos hegemônicos. Porém, vez ou outra, alguém consegue se fazer notar em meio ao que está estabelecido no momento. Esse foi o caso de Zuzu, que conseguiu chamar atenção com suas criações, chamadas de “tropicais” fora do país. De fato, eram; a estilista refletia os aspectos naturais e culturais de sua terra natal, mostrando passarinhos e cores vibrantes em tecidos de chita, e usando rendas confeccionadas no país. Tinham como marca um anjo, menção a seu sobrenome de casada (que tem essa tradução do inglês “angel”). No final da década de 1960, ela fazia uma moda reconhecida como “genuinamente brasileira”, e isso era intencional, como mostra uma declaração dela, exibida pelo Fantástico apenas em 1996: “minha inspiração é o Brasil. Minha inspiração é a nossa natureza. E eu procuro fazer moda pra lá [Estados Unidos], e uma moda que sirva também para as mulheres brasileiras que gostam de vestir o que é bonito.”.

“O caminho para a libertação da mulher está na negação da própria moda que a escraviza.” (Zuzu Angel, Jornal do Brasil, 31 de janeiro de 1969)

No entanto, seu ofício mudou de figura em 1971, quando militares torturaram e assassinaram seu filho, Stuart Angel. Naquele momento, ninguém da família sabia que isso havia acontecido, embora, por saber que ele fazia parte da resistência contra o regime ditatorial, Zuzu desconfiasse de algo. Com isso, ela começou uma busca incessante por seu filho, tido, até então, como desaparecido. Usando de seu status e relações públicas para entrar em contato com diferentes instâncias governamentais, ela tentou encontrá-lo de diversas formas. Depois de nada surtir efeito, mostrou seu pesar em um desfile nos Estados Unidos, em setembro daquele ano. Isso teve que acontecer especificamente nesse local porque ela usou um estratagema para conseguir expor seu trabalho. Em território nacional, tal coleção haveria sido barrada pelo governo; e, como no Brasil vigorava um Decreto-Lei que poderia ser usado para incriminá-la por fazer críticas ao país no estrangeiro, ela não poderia simplesmente fazê-lo em qualquer lugar de outro país. A estilista, portanto, decidiu usar o consulado brasileiro de Nova York, pois, teoricamente, ali não seria considerado exterior, além de suas peças não serem averiguadas antes do evento, como aconteceria no Brasil. Então, em vez das tradicionais cores, a artista vestiu preto e pôs uma fita da mesma cor no braço de cada modelo que desfilava. As roupas exibiam canhões, tanques de guerra, soldados, pássaros engaiolados, e também seu anjo-marca, que aparecia amordaçado. Ali, Zuzu Angel entregou ao mundo o primeiro desfile-protesto de que se teve conhecimento.


“Isso acontecendo desde 1964... e eu na minha santa ignorância fazendo moda! Vestidinho com flor e passarinho, moda alegre, descontraída.” (Trecho do diário de Zuzu Angel)

Não foi apenas para não ser presa que Zuzu fez sua passarela em outro país. Ela também queria atrair os olhos do mundo para o que acontecia no Brasil. Filho de pai naturalizado estadunidense, Stuart tinha cidadania norte-americana, o que a mãe viu como uma possibilidade de conseguir auxílio. De certa forma, ela teve sucesso em dar visibilidade ao caso: jornais como Chicago Tribune, The Montreal Star e The Home News falaram do conteúdo político de sua coleção, citando a procura dela pelo filho. Porém, o que ela conseguiu que fosse falado através das roupas, logo ao entrar no contexto brasileiro, foi silenciado. O Globo, por exemplo, afirmou que as novas estampas haviam sido inspiradas em livros infantis. Além disso, uma gravação do desfile (acima), realizada pela NBC nos Estados Unidos, chegou ao Brasil na época, mas não foi exibida até 2014, quando a TV Cultura a encontrou em seus arquivos.

“O Chicago Tribune estampava ‘A mensagem política de Zuzu está nas suas roupas’.” (O Globo, 2014)

“Na volta ao Brasil, pouco se falou deste evento, provavelmente pela censura imposta aos jornais. Zuzu [...] apelava para a cobertura de moda, ligando para a redação para avisar que havia uma grande novidade na loja inaugurada no Leblon, atrás da Elle et Lui. Em uma destas visitas vi que realmente havia novas bolsas, novos vestidos de bordado inglês e rendas brancas. Mas o que a criadora queria era pedir mais uma vez que se comentasse o caso do Stuart, mesmo que fosse no meio de uma matéria de moda.” (Iesa Rodrigues, Jornal do Brasil, 2021)

Apesar da repercussão do desfile no exterior, Zuzu, assim como seu filho, foi morta pelos agentes da repressão. Em 1976, quando o carro dela despencou do túnel Dois Irmãos, o caso foi dado como “acidente de causas desconhecidas”. Mas suas duas filhas seguiram contestando o acontecimento. Em 1998, a Folha de S. Paulo publicou uma reportagem relatando um novo testemunho, do advogado Marcos Pires, em que ficou clara a interferência da polícia do Rio no local da queda do veículo. Com isso, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) reconheceu que a morte foi causada pelo Estado brasileiro, e uma indenização à família Angel foi paga apenas em 2014. No Rio de Janeiro, o túnel em que houve o acidente foi rebatizado como Zuzu Angel.


Assim, a artista fez uma espécie de retrato indumentário nacional. Em um primeiro momento, com a brasilidade tão transparente em suas confecções; depois, com os mesmos elementos que representavam a identidade cultural ressignificados para mostrar um novo Brasil, o que passou a existir com a Ditadura Militar. Seu tropicalismo que valorizava os símbolos nacionais transformou-se em estandarte de denúncia. Zuzu fez da moda uma linguagem, através da qual conseguiu materializar sua dor e a realidade de um período de seu país.

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