Reportagem de Rita Skeeter para o Profeta Diário: A distorção dos fatos para construção de uma narrativa
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Como o filme Harry Potter e o Cálice de Fogo retrata a prática equívoca no jornalismo de deturpar a realidade para elaboração de um discurso
Por Clara Maria

A personagem Rita Skeeter é uma repórter do jornal Profeta Diário na série de livros e filmes Harry Potter. A autora desse universo ficcional, J. K. Rowling, utiliza frequentemente sua obra como ferramenta para representar e denunciar tendências do mundo real. Assim fez ao escrever o papel de Rita, uma jornalista não tão ética e mal vista por sua conduta profissional.
No filme Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005), Potter é inesperadamente selecionado para participar do Torneio Tribruxo: uma competição entre jovens bruxos de diferentes nacionalidades para saber quem é o campeão dos campeões. Quando o protagonista da série é escolhido para disputar pelo título, a repórter Rita Skeeter vai ao encontro do garoto a fim de escrever uma matéria sobre ele. Em uma cena de tom cômico, Rita entrevista Potter com o auxílio de uma “pena de repetição rápida”. O instrumento mágico transcreve simultaneamente as falas do entrevistado, mas sempre enfeitando-as e distorcendo-as para tornar a reportagem mais apelativa.
A jornalista transforma respostas secas dadas por Harry em melodramáticos desabafos sobre o seu trágico passado – o assassinato de seus pais na infância. A distorção dos fatos para construção de uma narrativa não se atém ao mundo mágico infelizmente. Nas últimas décadas, a mídia tem usufruído cada vez mais dessa prática para elaborar o discurso que a interessa.
Assim aconteceu na matéria do repórter Filipe Chicarino para TV Tribuna (afiliada do SBT) em 2015. A reportagem era sobre uma árvore ilegalmente cortada pelo presidente da associação de moradores do bairro Vila Nova de Colares (Serra, ES), Evander Venturin. O discurso criado por Chicarino buscava demonstrar como a árvore desmatada era importante para a história e comunidade do bairro. No entanto, para favorecer sua narrativa, o jornalista aumentou o número de anos que a planta existia. Enquanto o repórter tentava gravar sua fala “A árvore, com mais de 30 anos,[...]”, Venturin o interrompia insistindo que o profissional de comunicação “falasse a verdade”. Afinal, segundo o presidente da associação de moradores, aquela planta só tinha 28 anos.
O caso repercutiu pela internet e é lembrado até hoje como uma piada. Entretanto, apesar do cunho jocoso, a situação é séria e é sintoma de uma conduta problemática. No exemplo acima, não houve graves consequências decorrentes da distorção dos fatos, mas existem cenários que a deturpação das informações pode ocasionar mudanças significativas para sociedade.
Como exemplo desse impacto mais profundo na sociedade, pode-se analisar a cobertura jornalística feita pela TV Globo em 1984 das manifestações pelas eleições diretas em São Paulo. A emissora transmitiu o comício na Praça da Sé como um evento comemorativo do aniversário da cidade, esvaziando o teor político daquela reunião de pessoas. Vale considerar o contexto histórico desse caso: os manifestantes presentes naquela ocasião pediam pelo fim imediato da Ditadura Civil-Militar, regime apoiado desde o início pela Globo.
A emissora – de maior audiência no país – adotou uma postura deturpante da realidade para não veicular em seu canal um discurso que não se encaixava nos seus interesses e de seus aliados. Não se pode descartar a influência dessa cobertura jornalística para derrota do movimento Diretas Já nas votações no Congresso Nacional.
Era uma vez, a realidade.
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