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“Os defensores da floresta”: reportagem do Fantástico vence a 42ª edição do Prêmio Vladimir Herzog

Clara Quinteiro Hernandez



Com escudo nas mãos e alvo nas costas. Em 2019, o Fantástico acompanhou o trabalho de agentes do Ibama e do ICMBio que arriscam as próprias vidas para proteger o meio ambiente. A reportagem Os defensores da floresta, de Marcelo Canellas, Alan Ferreira e Marcos Silva, nos leva até o coração da Amazônia para mostrar quem são esses servidores que pagam um preço alto na preservação da floresta, lidando diretamente com ameaças e atentados. Para esses fiscais, estar marcado para morrer faz parte do trabalho.


A matéria rendeu à TV Globo uma vitória na 42ª edição do Prêmio Vladimir Herzog, que reconhece a atuação de profissionais e veículos de comunicação na luta pela democracia, cidadania e direitos humanos. A cerimônia aconteceu de forma virtual no dia 17 de novembro, e a reportagem foi a grande vencedora na categoria “Produção Jornalística em Vídeo”. A conquista do prêmio mais importante do jornalismo brasileiro deve-se não apenas à qualidade técnica da matéria, mas, sobretudo, à atualidade do assunto e à relevância do serviço desses agentes no combate ao desmatamento.


João Alberto Ribeiro e Carlos Rangel da Silva são, respectivamente, chefe e subchefe do Parque Nacional de Pacaás Novos (RO), que se estende por uma área superior a de 700 mil campos de futebol. Como todo parque nacional, deveria ser uma região de floresta intacta e protegida por lei, mas os fiscais contam que não é bem assim. João e Carlos enfrentam, sozinhos, grupos criminosos que invadem, desmatam e vendem lotes de terra ilegalmente. A reportagem relata a onda de ameaças contra esses servidores públicos, cada vez mais recorrentes e explícitas. Em Pacaás Novos, as suas vidas têm preço definido: “Eu quero 25 mil pra detonar o homem, o chefe do Ibama”. O valor é combinado pelos grileiros através de mensagens de áudio no WhatsApp.


Ao longo da reportagem, os agentes narram um atentado que sofreram em 2017. Durante uma operação, eles apreenderam motos, combustível e motosserras e conseguiram capturar um invasor. Porém, foram surpreendidos na saída da reserva, onde um grupo de mais de 30 pessoas os cercavam. “Só faltaram cuspir na cara da gente”, lembra João Alberto. Os grileiros recuperaram o material apreendido e libertaram o preso. A única coisa que Carlos Rangel tinha ao seu alcance era o celular, que usou para filmar e fotografar a emboscada. Sob os gritos de “tem que tomar aquela câmera lá, que eles estão filmando”, ele flagrou o momento exato em que foi agredido. Uma pedra foi arremessada na sua direção, quebrando o aparelho.


(Registro feito pela câmera celular de um dos fiscais, no momento em que uma pedra é arremessada em sua direção / Imagem: Carlos Rangel da Silva)


Os ataques e ameaças foram investigados. A Polícia Federal e o Exército, ao sobrevoarem a área invadida, puderam identificar barracos de grileiros na floresta, focos de queimadas e demarcações de lotes ilegais. Os repórteres também acompanharam a operação que prendeu os dois principais acusados de serem os autores das ameaças contra os fiscais. Na casa dos criminosos, foram encontradas armas com numeração raspada, contratos de compra e venda e cheques.


De Rondônia, a matéria segue para a cidade de Placas, no Pará, onde ocorreu mais um atentado a outro servidor – que preferiu não se identificar. A equipe do Ibama acabara de fiscalizar duas madeireiras quando a caminhonete em que o grupo estava foi interceptada por uma carreta. O criminoso começou a jogar gasolina no veículo, mas todos conseguiram fugir a tempo. Até mesmo o caminhão do Exército, que dava cobertura à equipe, foi atacado. Imediatamente, foram fiscais e militares para a delegacia de Placas, que ficou cercada por moradores. As pontes das duas únicas saídas da cidade foram queimadas, deixando os agentes sitiados na delegacia, de onde só conseguiram sair em segurança quase de madrugada. Acusado por tentativa de homicídio, Cristiano Paiva, também conhecido como Metralha, está foragido. O dono de uma das madeireiras fiscalizadas no dia da emboscada, Wesley de Oliveira, foi preso por receptação de madeira ilegal.


(O repórter Marcelo Canellas indica marcação em tronco de árvore de um lote recém-aberto ilegalmente / Imagem: Fantástico)


Os defensores da floresta também destaca a diminuição de multas para os desmatadores e discute os cortes do orçamento federal no combate às queimadas. Em 2019, o Governo bloqueou 34 milhões de reais destinados a ações de fiscalização do Ibama e do ICMBio. Paralelamente, o número de multas aplicadas por essas instituições caiu 20% no mesmo período. Para o procurador da República Camões Boaventura, essa onda de ameaças se potencializa com os discursos das próprias autoridades públicas, que desacreditam e desmoralizam o trabalho dos agentes e das entidades ambientais.


Usar o jornalismo como arma de denúncia não é novidade, e a equipe do Fantástico soube fazer isso na magnitude que o tema merece. Gravações in loco e filmagens aéreas foram somadas a um bom roteiro, resultando numa matéria sólida, crítica e muito rica audiovisualmente. As entrevistas com os fiscais conseguiram humanizar esses profissionais e criar uma empatia muito grande no telespectador, acrescentando, ainda, um tom sensível à reportagem. Não há dúvidas de que é uma produção digna de premiações. Por fim, a mensagem dos jornalistas é clara: ao manter desaparelhada a estrutura de fiscalização, o próprio Governo coloca esses defensores da floresta na lista de morte.








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