Em documentário de 2014, Jorge Furtado mostra como os problemas do jornalismo em 1626 são mais atuais do que nunca.
Beatriz Costa
Três anos depois do lançamento do primeiro jornal inglês, em 1626, a peça “The Staple of News”, de Ben Jonson, era encenada pela primeira vez. Com uma leitura cômica dos primeiros passos do jornalismo e das agências de comunicação, o dramaturgo apresentou pontos que são pertinentes desde o começo da mídia, como o papel do jornalismo na construção da opinião pública, seu interesse econômico e político.
Em 2014, Jorge Furtado juntava duas de suas paixões, o teatro elisabetano e o jornalismo, usando a peça de Ben Jonson como fio condutor para seu documentário que defende o bom jornalismo e divide o nome com a produção teatral do séc. 17. Intercalando entrevistas de 13 jornalistas conhecidos nacionalmente ligados à cobertura política, como Bob Fernandes e Cristiana Lôbo, e cenas da peça elisabetana gravada no Theatro São Pedro, Furtado mostra que problemas como amanipulação da informação, o papel do jornalista como intermediário e a demanda do leitor por novidades talvez nos afetem mais hoje, no século 21, do que no século 17, quando Ben Jonson trouxe esses problemas à tona.
Cartaz do Filme (Divulgação)
Vencedor de melhor documentário no Cine PE pelo júri oficial e popular, o longa-metragem começa com a primeira reunião com os atores gaúchos, na sede da Casa de Cinema, em 2013. De acordo com Furtado, os atores não tinham conhecimento do que iam fazer no projeto. Nesse primeiro momento, o cineasta apresentou sua ideia, mostrando as entrevistas que já tinham sido gravadas, o texto de Ben Jonson e como ele seria trabalhado.
O debate sobre a ética jornalística, a linha tênue entre os interesses econômicos e os interesses públicos e a demanda constante de notícias tem como resposta dos entrevistados que a qualidade está sempre acima de tudo. "A informação não é jornalismo, é parte do trabalho", disse um dos jornalistas. "Nós mexemos com o processamento de notícia".
Uma das coisas mais interessantes que foi dita e é extremamente perspicaz para o momento é que apenas a informação como mercadoria perde o valor, pois hoje em dia o jornalista não é tão necessário como mediador. Há informação em todos os lugares, todo cidadão é um potencial repórter. Nós precisamos ir além do fato, porque a análise é o que diferencia o texto das informações que estão em todo lugar.
Na conversa, os entrevistados discutem sobre o papel do jornalismo brasileiro na política, já que, como disse Mino Carta, um dos jornalistas entrevistados, “a mídia brasileira é um partido político”. No entanto, a mídia não se aceita como agente político e se refugia no mito da isenção e imparcialidade, enquanto assassina reputações para minar determinados setores políticos do Brasil. No documentário os entrevistadores citam e repórteres citam o caso de José Sarney. Hoje, na minha opinião, temos um caso muito mais recente para tratar: o papel da mídia no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.
São mencionados também casos de gafes jornalísticas e casos que ganharam manchetes sensacionalistas, como o da Escola Base, em 1994, em que os funcionários e diretores foram acusados de abuso sexual de crianças. A denúncia causou apedrejamento da escola e pichações nos muros difamando os acusados. Quando foram inocentados, ganharam apenas um rodapé nas páginas dos jornais.
Furtado traz o caso do quadro “A Mulher de Branco”, de Pablo Picasso, cuja reprodução em uma das paredes do INSS, em Brasília, ganhou a primeira página do jornal Folha de S. Paulo, em 2004, quando foi noticiado como a obra original, ignorando registros de que o verdadeiro quadro foi comprado pelo museu Metropolitan, em Nova York.
Capa do Folha de S. Paulo de 07/03/3004 com a matéria sobre o falso Picasso
(Imagem: ArcevoFolha)
“Descobri que essa reprodução pertencia ao acervo do pintor Tomás Santa Rosa e foi dada como pagamento de uma dívida com o INSS”, disse Jorge Furtado, que apontou o erro ao jornal em 2004. Quando esse caso foi discutido no documentário, os jornalistas apontaram que a história real foi ignorada pela oportunidade de manchete sensacionalista. “Quem fez esse pagamento? Quem analisou a obra? Qual foi o valor da dívida “perdoada” por um quadro que vale dez dólares?”, aparentemente nunca saberemos, já que o que deveria ter sido pesquisado foi esquecido.
Elenco completo de O Mercado de Notícias (Foto: Fábio Rebelo)
Mesmo sendo interessante e dando um insight sobre os desafios novos e velhos dos jornalistas, o documentário perde um pouco de sentido com as cenas da peça. Com transições muito abruptas e que não harmonizam com as entrevistas, toda vez que eu começava a conectar com o filme, as discussões dos jornalistas eram interrompidas por cenas da peça que em nada adicionavam. Com o usual sarcasmo, mas sem a fluidez característica de seus outros filmes, Jorge Furtado fez com que "O Mercado de Notícias" mais parecesse dois filmes gravados um em cima do outro numa fita VHS do que um só.
O MERCADO DE NOTÍCIAS
Direção: Jorge Furtado
Gênero: Documentário, Brasil, 2014
Duração: 94 minutos
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