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O custo do acesso à Universidade

Atualizado: 19 de dez. de 2022

Como o deslocamento impacta as vidas acadêmica e financeira de estudantes que moram longe da UFRJ


Polyana Dias



Arte: Polyana Dias


As Universidades Públicas no Brasil oferecem à população o ingresso ao ensino superior de forma gratuita, contudo, os custos financeiros que envolvem fatores como o deslocamento até o campus universitário, não são abrangidos pela política de gratuidade da universidade para todos. Por isso, o aluno que consegue garantir a sua vaga dentro dessas instituições precisa arcar com o custo do seu trajeto, o que na prática demonstra que o direito ao acesso gratuito não é de fato garantido.


No caso da UFRJ, esse problema afeta principalmente os estudantes que moram em outras cidades, fora do Rio de Janeiro. São eles que percorrem os maiores trajetos e pagam passagens de valor mais elevado. Este fato resulta em uma demanda que é refletida em forma de pauta estudantil. A partir disso, a UFRJ - que possui um programa de auxílios pela Pró-reitoria de Políticas Estudantis, PR-7 - oferece o auxílio transporte aos seus estudantes. Contudo, ele não é suficiente, pois não consegue dar conta da demanda de alunos que necessitam dessa assistência.


Em dados fornecidos pela PR-7 fica possível verificar que mais de 1/3 (um terço) dos estudantes matriculados em cursos presenciais não residem na cidade do Rio.

(Dados PR-7 2022)


Outros dados também disponibilizados pela PR-7 mostram o quantitativo acerca da demanda dos auxílios transporte fornecidos pela UFRJ.

(Dados PR-7 2022)


Esses dados apontam que apenas um em cada quatro estudantes que solicitam o auxílio estudantil é beneficiado. Os números também demonstram que existe uma grande procura dos estudantes pelo suporte financeiro para suprir os custos com a passagem.


Esses fatores fazem com que os movimentos estudantis, incluso o DCE da UFRJ e centros acadêmicos como o CAECO da Escola de Comunicação da UFRJ, se mobilizem em torno do Bilhete Único Universitário, que atualmente é oferecido pela cidade do Rio de Janeiro, aos alunos que estejam efetivamente matriculados no semestre letivo e que comprovem possuir uma renda mínima determinada, em formato de passe livre universitário. Essa mobilização tem como propósito que o passe livre se torne além de intermunicipal, intermodal. Sua versão atual possui limitações: o passe livre atualmente funciona apenas em linhas de ônibus municipais, além do VLT e BRT, o que, por consequência, exclui os estudantes moradores de outras cidades e também aqueles que necessitam utilizar outros meios de transporte durante o trajeto, como barca, trem ou metrô.

Os estudantes também reivindicam pelo aumento dos auxílios estudantis e pelo aumento da carga horária e rotatividade do ônibus universitário da UFRJ (Intercampi), que faz o transporte entre os campus da Praia Vermelha e Fundão de forma gratuita aos alunos, porém possui uma grade horária limitada. Isso faz com que muitos estudantes, que poderiam utilizá-lo para realizar seu trajeto, busquem pelos ônibus convencionais pagos que melhor atendem a demanda de horários.


Relatos dos estudantes da UFRJ


O Pitacos! conversou com estudantes do Campus Praia Vermelha da UFRJ que moram fora da cidade do Rio de Janeiro para entender como se dá o trajeto deles até a faculdade e de quanto o custo de seus deslocamentos.


Izabelly Cristine Nunes, 19 anos, cursa Produção Editorial e é moradora do bairro Monjolos na cidade de São Gonçalo. Ela leva cerca de duas horas para realizar seu trajeto (na ida e na volta), gasta por dia R$ 17,10 com passagem e precisa pegar duas conduções para chegar em casa. Quando perguntada se sente-se prejudicada academicamente por morar longe, afirma: "Sim, já que as horas gastas no trânsito acabam reduzindo o tempo que dedico aos estudos, como por exemplo a leitura de textos acadêmicos e produção de trabalhos. Além do fato de chegar em casa muito tarde e acabar tendo um sono desregulado, o que também afeta meu rendimento nas aulas.”


Hemylly Castelano, 19 anos, cursa Jornalismo e mora em Queimados, na Baixada Fluminense. A estudante precisa pegar duas conduções para a faculdade e faz, por dia, entre quatro e quatro horas e meia de trajeto. Hemylly gasta R$ 17,10 diariamente. Hemylly afirma já ter faltado aula por falta de recurso diversas vezes. “Quando pego às 13h, eu tenho que acordar às 8h pra não me atrasar. E, na volta, eu fico mais de 2h de pé na condução. Então, quando eu chego em casa eu estou sempre exausta demais pra estudar. Fora que eu sinto que estou perdendo todas as oportunidades extracurriculares que a universidade proporciona”, conta.


Mariana Costa, 21 anos, é estudante de Jornalismo, mora em Belford Roxo. Ela precisa pegar três conduções para chegar até a UFRJ em um trajeto que demora cerca de duas horas (na ida e na volta). Mariana gasta no total R$ 14,80 por dia, com integração entre o ônibus e o metrô. Ela possui o Bilhete Único Universitário e faz uso dele em apenas uma condução (ônibus). Afirma já não ter ido a faculdade para economizar passagem em dias que só possui uma aula e diz que se sente prejudicada academicamente por morar longe: “Costumo ler os textos indo a caminho da faculdade ou voltando porque nunca me sinto mentalmente produtiva quando chego da faculdade. É muito desgaste chegar em casa por volta de 20h30, 21h e se sentir incapaz de ser produtiva depois de horas no transporte público”, desabafa.


Acrescento aqui meu próprio relato como aluna que também vive a realidade de morar fora da cidade do Rio. Eu sou Polyana, tenho 21 anos, estudo Jornalismo e moro em Maricá. Todos os dias eu pego quatro conduções, duas na ida e duas na volta, e meu trajeto leva em torno de quatro horas e meia no total. Se eu não possuísse o Bilhete Único Universitário, que a prefeitura da minha cidade fornece e que me permite ir e voltar da faculdade de maneira gratuita, por dia eu gastaria R$ 17,10 tendo um Bilhete Único habilitado. Mas se algum dia eu perder o meu cartão de passagem e precisar pagar em dinheiro, eu vou gastar um total de R$ 64,10 no dia. Isso porque a minha única opção de ônibus até o Rio, 2146D - Maricá X Castelo, custa 28 reais e se soma ao valor da passagem gasta no ônibus entre o Castelo e a Praia Vermelha.


Nas entrevistas, todas afirmaram já terem perdido ou o almoço ou a janta, fornecidos pelo restaurante universitário, em algum momento por motivos relacionados ao trajeto da faculdade. Quando perguntadas se acreditam que ao ter o auxílio transporte pelo trajeto completo seria melhor o acesso à universidade, Izabelly e Hemylly afirmam que sim enquanto Mariana discorre sobre a sua situação: “Acredito que esse é um direito que deveria ser mais facilmente acessível. Ele não apenas facilitaria o acesso mas também a permanência futura na faculdade, já que devido ao horário não consigo trabalhar, dependo completamente desse recurso vindo dos meus pais. Esse dinheiro poderia estar sendo utilizado em outros âmbitos, como lazer ou sendo economizado, mas está sendo utilizado para meu acesso à universidade, quando o auxílio transporte deveria ser um direito.”


A última pergunta da entrevista questionava se acreditam que tendo moradia estudantil de qualidade a rotina acadêmica seria melhor. Izabelly afirma que sim, Hemylly diz: “Demais! Mas não no modelo que temos hoje. A moradia estudantil em outro campus não seria de muita ajuda porque os horários dos ônibus intercampi não batem com a grade horária de quase ninguém. Ou eu chegaria muito cedo ou muito tarde na faculdade”, analisa.

Mariana responde: “Morar perto do campus é um privilégio que deveria ser um direito e mais pensado pelo governo e pela reitoria pelo bem estar do aluno. Perdemos qualidade de vida, saúde mental e principalmente recurso financeiro que compromete muito nosso desenvolvimento, fora a exaustão física”, desabafa.


Os gastos com passagem das entrevistadas são um reflexo do custo que os demais estudantes da UFRJ que moram longe da universidade possuem em seu deslocamento diário, de modo que fica evidente como a falta de suporte e auxílio aos estudantes afeta financeiramente alunos que já são prejudicados academicamente em suas rotinas devido a distância de seu deslocamento.

(Planilha de estimativa de gastos mensais com passagem produzida pela repórter Polyana Dias)


Todos esses fatos deixam claro que a causa estudantil deve ser ouvida para que os estudantes consigam garantir e exercer os seus direitos, como o acesso gratuito à universidade. O primeiro passo é, através das políticas estudantis, conseguir o fornecimento de auxílios da universidade que cubram os custos dos alunos junto ao Estado na reformulação do passe livre. Para que possa beneficiar a todos, é preciso que o transporte gratuito seja intermunicipal e intermodal, permitindo que os estudantes consigam ter uma melhora na qualidade de vida destinando o dinheiro mensal gasto com passagem para compra de material, realização de cursos e ida a espaços culturais, por exemplo.


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