Por Carol Colla
O livro-reportagem Notícia de um sequestro, de Gabriel García Márquez, conta a história de uma sequência de sequestros, que se desenrolaram entre o segundo semestre de 1990 e os meses iniciais de 1991 na Colômbia. Os narcoterroristas do Cartel de Medellín fizeram jornalistas de reféns para pressionar o governo e evitar a tão temida extradição aos Estados Unidos. A narrativa reúne os pontos de vista das vítimas, das suas famílias e dos envolvidos nas negociações, retratando os dramas e os dilemas que assolavam a sociedade e os líderes de um país à beira de uma guerra civil.
Reprodução: Foto da capa do livro
A Colômbia do começo dos anos 90 sofria os efeitos do embate entre os narcotraficantes, que praticavam atos terroristas, e as autoridades civis, que abusavam da força pública e também infringiam os direitos humanos. A violência era extrema e a situação tornou-se insustentável. Diante disso, foi convocada uma Assembleia Constituinte para estabelecer um decreto que definisse as condições e os termos relacionados à rendição desses criminosos, bem como as penas para os seus crimes. O problema é que havia a ameaça de extradição para os Estados Unidos, onde poderiam ser julgados por delitos ali cometidos, submetidos a penas descomunais e sem garantias relacionadas à segurança pessoal e familiar.
Então, Os “Extraditáveis”, os cabeças do Cartel de Medellín, listaram nomes de jornalistas associados aos seus inimigos políticos, que seriam raptados e mantidos em cativeiro como forma de pressionar o governo a atender às suas exigências. Diana Turbay, diretora do telejornal Criptón e filha do ex-presidente da república Julio César Turbay Ayala, foi capturada em uma emboscada no dia 30 de agosto de 1990, junto a sua equipe: Azucena Liévano, Juan Vitta, Richard Becerra, Orlando Acevedo e o alemão Hero Buss. Depois deles, houve ainda mais quatro sequestros. O livro-reportagem, publicado em 1996, conta essas histórias, que foram investigadas ao longo de três anos pelo escritor e jornalista Gabriel García Márquez, o Gabo. Em especial, se destaca o arco de Diana Turbay na narrativa construída pelo autor do célebre vencedor do Nobel de literatura Cem Anos de Solidão.
Diana é apresentada como uma líder nata, forte, decidida, muito inteligente, que tinha uma voracidade insaciável de estar a par de tudo, de descobrir o porquê, o como das coisas e tinha uma obstinada vontade de prestar serviço ao país. Ela ficou em cativeiros alternados na cidade de Medellín, onde sua companhia mais fixa era Azucena.“No grupo de Diana reinava um ambiente de improvisação que mantinha sequestrados e sequestradores num estado de alarme e incerteza, com uma instabilidade que contaminava tudo e aumentava o nervosismo de todos”, o autor descreve. Quando Diana soube, no dia 19 de setembro, dos sequestros de Marina Montoya e Pacho Santos, compreendeu que eles estavam entrelaçados e faziam parte do plano dos Extraditáveis para chantagear o governo. Concluindo que não haveria pressa em libertá-los, ela decidiu escrever um diário, recurso utilizado por Gabo para retratar a subjetividade da personagem e a monotonia da sua rotina no cativeiro.
Conforme os meses foram passando, a depressão, a perda de noção do tempo e da realidade de Diana foram ficando mais nítidas em seus escritos, assim como a sensação de abandono ao ver Azucena, Hero Buss, Orlando e Juan Vitta serem libertos. Além disso, no diário, ela fez exames de consciência e reflexões inclusive sobre a sua profissão: “Embora sejam cada vez mais firmes as minhas convicções sobre o que é e o que deve ser o exercício do jornalismo, não o vejo com clareza nem espaço”. Viu a sua própria revista pobre não apenas comercialmente, mas editorialmente, faltando profundidade e análise. Seus únicos momentos de conforto eram quando recebia mensagens de sua família na televisão e no rádio e quando rezava por escrito no diário. Rogava a Deus e à Virgem Maria por proteção e orava até por Pablo Escobar: “Talvez ele necessite mais da tua ajuda”.
No dia 21 de janeiro, Diana escreveu a última página do seu diário: “Estamos perto dos cinco meses e só nós sabemos o que é isso. Não quero perder a fé e a esperança de regressar para casa sã e salva”. Apesar de ter resistido ao cárcere durante tanto tempo, Diana Turbay foi morta no dia 25 de janeiro de 1991. Os serviços de inteligência da polícia receberam denúncias telefônicas anônimas sobre movimentações de traficantes nas trilhas de Sabaneta, região do cativeiro onde estava e, com base nisso, foi montada uma operação com helicópteros artilhados e combatentes em terra. Diana estava com Richard, como havia solicitado após a libertação dos outros integrantes de sua equipe, quando o Corpo de Elite tentou invadir a casa em que estavam. Durante a troca de tiros, ela foi atingida por uma bala na coluna vertebral.
A forma como o autor narra o momento em que Nydia Quitero, mãe de Diana, encontrou a filha no hospital é muito impactante. Ela estava nua na mesa de cirurgia, coberta com um lençol ensanguentado, com o rosto sem expressão, a pele sem cor devido a sangria completa e com uma enorme incisão no peito, onde os médicos introduziram a mão para fazer massagens cardíacas. "A notícia de um sequestro, por mais dura que seja, não é tão irremediável como a de um assassinato", escreveu Gabo. Antes mesmo da confirmação do falecimento, dona Quitero pressentiu a morte da filha, através da sua intuição de mãe. A falta de comunicação, de organização e a inconsequência do Corpo de Elite provocaram a tragédia, fazendo com que os esforços da família de Diana para uma negociação sensata e pacífica fossem em vão.
Após a tragédia, o presidente Gaviria e os ministros decidiram assinar o decreto 303, promulgado no dia 29 de janeiro, no qual os obstáculos que impediam a rendição dos narcotraficantes foram eliminados. O relatório mencionado responsabilizava a polícia por agir sem ordens e sem prudência e abria sindicância contra 14 oficiais do Corpo de Elite, sendo 11 desses nomes indicados diretamente por Escobar. Tais medidas representaram avanço efetivo nas negociações em relação aos outros reféns. Nydia escreveu uma carta para Pablo Escobar expressando seu desejo de que a morte de Diana ao menos servisse para que nenhum outro colombiano tornasse a sentir a dor que ela sentia. Ao contar essas histórias, Gabriel García Márquez imprime em seu texto a sensibilidade de um literato, o olhar crítico e apurado de um jornalista e o anseio de um colombiano pela paz em seu país.
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