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“For Sama”: o relato de uma guerra particular

Fernanda Mendes


Ao engravidar e dar à luz durante os conflitos na Síria, Waad Al-Kateab, jornalista e diretora do documentário, produz um filme em um formato de vídeo-diário que conversa com sua filha, Sama, no futuro. A partir de um relato íntimo, a diretora procura dar visibilidade à dura realidade vivida por ela e sua família em Aleppo – cidade que ainda hoje continua sendo palco de ataques a civis.

For Sama contrasta o desconforto e a esperança, mas acima disso, faz um retrato sobre humanidade.

“Eles pensam que os sírios são apenas terroristas e refugiados, e esperamos que o filme mostre a humanidade que compartilhamos com as pessoas na Síria”, disse o codiretor Edward Watts em entrevista.

Os diretores buscam explorar a forma como o ser humano se adapta a situações extremas e como ele lida com seus sentimentos. Como viver “normalmente’’ nesse ambiente tão incerto? E como criar uma criança em uma realidade que deveria estar longe do imaginário infantil? São algumas das questões com as quais Al-Kateab também se depara no decorrer da sua história. E sem encontrar respostas exatas, muito menos certas ou erradas, nós mergulhamos nesse incômodo relato consequente de uma guerra.


(Waad Al-Kateab e sua filha, Sama/Imagem: Reprodução)


É importante avisar que o filme apresenta imagens fortes. De cenas explícitas de corpos amontoados nos corredores do hospital em que Hazam Al-Kateab, marido de Waad Al-Kateab, é diretor, a um parto milagroso de uma grávida atingida por um ataque aéreo. Cenas essas que, somadas ao amadorismo da jornalista, como percebemos com as gravações tremidas, tornam a experiência do filme mais real. Mas as imagens duras presentes no documentário não são em vão, uma vez que o intuito de Al-Kateab é mostrar a realidade em sua forma mais crua. Difícil assistir? Com certeza, pois nos expõe às consequências mais cruéis de uma guerra, nos deixando vulneráveis. Contudo, tal realidade difícil é intercalada pelos momentos do casal com sua filha e cenas de confraternizações com os amigos, por exemplo. Esse balanço emocional atrai a atenção do telespectador, de maneira a sensibilizar ainda mais.

Por que não sair do país? É uma das perguntas que não encontramos uma resposta ao longo da trama, mas Waad Al-Kateab deixa claro, em entrevistas após o lançamento do documentário, que não podia simplesmente abandoná-lo. Como cidadã síria e ativista, ela sente o dever de continuar lutando pelo seu lugar. Além disso, seu marido era responsável por um hospital improvisado em Aleppo, local que cuida de diversas vítimas da guerra – tendo que trabalhar praticamente 24h por dia. O que nos leva a uma das falas mais marcantes da jornalista:

“Você passa a dar mais valor à vida quando a morte está ao seu redor’’.

Tal afirmação leva à mensagem mais importante: devemos valorizar cada momento como se fossem os últimos e estarmos dispostos a lutar por eles – por mais clichê que isso soe quando você lê de um lugar confortável, onde não haja constante ameaça de bombardeio.


(Hazam, Waad e Sama Al-Kateab/ Imagem: Reprodução)


A jornalista começou a captar imagens dos protestos contra o governo de Bashar Al-Assad quando ainda estava na faculdade, no ano de 2012. O que não esperava era, mais tarde, se tornar responsável pelo maior conteúdo audiovisual dos conflitos na Síria para o Ocidente – por muito tempo forneceu imagens a diversos canais de televisão, mantendo sua identidade preservada. Graças a todo esse material ímpar cultivado durante anos, foi possível criar, além de um retrato da guerra, uma declaração de amor à sua filha. Nos transportando à cidade de Aleppo, e nos transportamos também a vida de Sama. Al-Kateab nos mostra que o belo também está presente no caos – e sua filha é o maior exemplo disso. Todo o diferencial e a sensibilidade do documentário se dá pelo fato de que não apenas nós, como espectadores, estamos aprendendo algo com ele, mas que Al-Kateab também está, ao viver essa nova realidade. Somos ensinados, junto a ela, a entender o cotidiano de mãe e filha, e podemos não ter todas as respostas, mas entendemos que Sama é o maior dos motivos para continuar lutando.

Por meio dessa história particular, os diretores conseguem trazer singularidade a algo que, tragicamente, já é universal: a guerra. Todas as imagens coletadas ao longo de quatro anos, de 2012 a 2016, unem-se de maneira não-linear e com a narração em off para reacender nosso lado humano. Embora o longa não entre em debates políticos, deixa claro que, apesar de não sentirmos as consequências diretas das guerras que ocorrem do outro lado do mundo, não quer dizer que elas não existam.

Não à toa, o documentário conquistou diversos prêmios, incluindo o BAFTA de Melhor Documentário em 2019 e a indicação ao Oscar pela mesma categoria. No entanto, Waad Al-Kateab afirma que documentários e filmes não vão mudar o mundo, por isso, temos que ter consciência que nós somos responsáveis pelas lideranças que farão a diferença no futuro.



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