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Da repercussão à superação: os estilhaços deixados pela foto da "Garota de Napalm"

Ruth Scheffler


“De repente, minhas roupas todas pegaram fogo, e eu sentia as chamas queimando meu corpo, especialmente meu braço. Naquele momento, passou pela minha cabeça que eu ficaria feia por causa das queimaduras, que eu não ia mais ser uma criança como as outras. Eu estava apavorada, porque de repente não vi mais ninguém perto de mim, só fogo e fumaça. Eu estava chorando e, milagrosamente, ao correr meus pés não ficaram queimados. Só sei que eu comecei a correr, correr e correr”.

É assim que Kim Phúc, a menina da fotografia que virou símbolo da Guerra do Vietnã, descreve à BBC o momento capturado pelo fotógrafo Nick Ut. A imagem marcou o fotojornalismo e foi premiada pelo Pulitzer de Reportagem Fotográfica em 1973. Entretanto, o retrato em questão deixou marcas mais profundas, mudando a vida de Kim, Nick e a própria guerra. A foto nos intriga de várias maneiras e desperta curiosidade sobre a história por trás dela.

Garota de Napalm (Foto: Nick Ut/AP)


A “Garota de Napalm” como Kim ficou conhecida posteriormente tinha 9 anos na ocasião em que a fotografia foi tirada. Ela vivia com sua família no sul do Vietnã, em um povoado chamado Trảng Bàng, próximo da atual Ho Chi Minh. Diante da ameaça de um conflito armado, a família de Kim decidiu se refugiar em um templo Cao Dai, na esperança de que ali estariam seguros. Porém, nada impediu que o bombardeio de 8 de junho de 1972 acontecesse.


Os comunistas avançavam naquela região, e o Exército do Sul, na tentativa de contê-los, lançou bombas napalm, que soltam uma espécie de gel incendiário. Uma dessas bombas atingiu o templo onde Kim e seus familiares estavam abrigados. Cercadas pelo fogo e pela fumaça. as crianças correram para a estrada. Nesse momento, Nick dá o clique que futuramente percorreria o mundo inteiro. A menina estava com seu corpo em chamas, o que levou sua roupa a ser queimada por completo, razão pela qual ela está nua na foto. Após fazer o registro, o fotógrafo socorreu as crianças, levando-as ao hospital.


“Tanto as forças do Norte como as do Sul usaram a foto de Kim Phúc como propaganda. Os norte-vietnamitas diziam: ‘Esta é uma foto da América jogando uma bomba para matar inocentes.’ Enquanto que no Sul diziam: ‘Esta é uma foto dos comunistas lançando mísseis.’ A meu ver, estou mostrando a verdade. Já os propagandistas, bem, nós sabemos o que eles dizem”, revelou Nick ao podcast On the Record.


Além de sofrer a dor física e emocional causada pelo bombardeio, Kim teve que superar outro grande trauma. Vendo uma oportunidade de se beneficiar da repercussão causada pelo retrato de Ut. o regime comunista vietnamita usou-a como propaganda do Estado. Já adulta, foi obrigada pelo governo a abandonar a faculdade e passar a atender jornalistas.


Apesar disso, em 1992, Kim e seu marido solicitaram asilo político no Canadá, recebendo posteriormente a cidadania canadense. Depois de ter seu primeiro filho, Kim decidiu se engajar na proteção de crianças em situação de vulnerabilidade. Hoje, ela é fundadora da Kim Foundation International, uma organização que oferece assistência médica e psicológica a crianças traumatizadas pela guerra.


Nick Ut cobriu a Guerra Do Vietnã pela Associated Press (AP), uma cooperativa de notícias independente e sem fins lucrativos, da qual ele fazia parte desde 1966. Na AP, Nick também deu continuidade ao legado de seu irmão, morto em combate. Além disso, a exposição durante a guerra do Vietnã deixou marcas em Ut. Ele foi ferido no estômago, na perna e depois no peito.


Mas apesar de ser especialista em guerra, Nick não se restringiu a apenas essa temática. Em 1976, ele instalou-se em Los Angeles, nos Estados Unidos, vindo a se tornar cidadão americano. Foi ali, no universo cinematográfico, que o fotógrafo descobriu novas oportunidades dentro da sua profissão. De acordo com o jornal O Globo, Nick considera essa trajetória uma passagem “do inferno à Hollywood”. Após 51 anos de carreira, completados em 2016, Ut anunciou a sua aposentadoria. Mesmo assim, ele não demonstra pretensão em parar de fotografar. “Minha câmera é meu médico, meu remédio”, conta ele, segundo a revista Fhox.

Nick Ut (Foto: Na Son Nguyen/AP)


A foto da “Garota de Napalm” quase foi censurada na época, pois a representação de nudez, independentemente da idade ou sexo, especialmente em vistas frontais, eram proibidas na Associated Press. Todavia, o editor Hal Buell, da matriz em Nova Iorque, concordou que o valor-notícia da fotografia anulava quaisquer restrição à nudez. Recentemente, em 2016, o Facebook também tentou censurar a foto em sua rede social, gerando grande repercussão e várias críticas. Porém, após reconhecer a história e a importância da imagem, a empresa recuou e permitiu que o registro fosse compartilhado.


É inegável que esse retrato tenha influenciado de forma bastante significativa a opinião pública na época. Consequentemente, ele acabou contribuindo para que a Guerra do Vietnã chegasse ao fim. Nick assegurou à agência EFE que “a Guerra do Vietnã terminou graças a essa fotografia” . Inclusive, a autenticidade da foto foi colocada em cheque pelo ex-presidente dos EUA Richard Nixon, que alegou ser uma possível montagem.


Vale lembrar que nenhum outro acontecimento mobilizou tanto a opinião pública internacional na década de 70 quanto a Guerra do Vietnã. O conflito representou a maior derrota militar da história dos EUA.


Essa fotografia demonstra o papel heroico exercido pelos jornalistas tanto em épocas passadas, quanto na atualidade. Hoje, a polarização ainda representa um risco àqueles que estão no front da notícia. Mesmo assim, em um cenário dominado pela pós-verdade, a relevância de tais profissionais torna-se ainda mais evidente.


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