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Uma mulher para além do uniforme

  • Foto do escritor: Pitacos
    Pitacos
  • 8 de nov. de 2020
  • 3 min de leitura

Pantanal em chamas: há um mês, Revista Piauí contava a história de uma personagem fundamental neste drama

Rosamaria Santos


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Tenente curitibana Luisiana Guimarães Cavalca atua no combate ao fogo no Pantanal –Intervenção de Paula Cardoso sobre foto de André Zumak e acervo pessoal/Luisiana Guimarães Cavalca


Fogo, mortes, desmatamento e seca. Essas são palavras-chaves usadas pelos periódicos para retratar a devastação do Pantanal. Focando nos fatos, as reportagens costumam se ater às perdas de biodiversidade e ao trabalho prático dos bombeiros. Mas e as histórias por trás dos uniformes? Quem são as pessoas que se arriscam para salvar a fauna e a flora? Na reportagem “Minha mochila pesa os mesmos 20Kg que a deles”, publicada pela Revista Piauí, Felippe Aníbal revela a história de Luisiana Guimarães, uma tenente do Corpo de Bombeiros do Paraná, que deixou sua família em prol do trabalho. Uma narração que conta sobre sonhos, medos e desafios da profissional assim como a destruição do bioma.


Neste ano, as notícias de queimadas no Pantanal estão presentes em vários meios de comunicação devido à importância do assunto. De jornais digitais aos telejornais, a pauta geralmente é abordada com objetividade, enfatizando os dados de focos de incêndio e as medidas do governo para combatê-los. Felippe, no entanto, prefere denunciar o caso de maneira mais comovente. A partir da história da bombeira Luisiana Guimarães Cavalca, o jornalista aborda a situação do bioma sob a perspectiva feminina da brigadista, o que confere profundidade ao texto.


Um dos pontos que mais chamam atenção na matéria é a escolha do título. “Minha mochila pesa os mesmos 20Kg que a deles” não remete a incêndio, muito menos aos do Pantanal. Assim que li, pensei que se tratasse da cobertura de algum esporte praticado majoritariamente por homens que, somente agora, ganhava a participação de mulheres. Foi só quando abri o link que entendi que a meta do texto era falar das queimadas e do machismo em postos de liderança. Uma mistura inédita para mim até aquele momento. Acostumada a ver essas notícias separadas, achei a proposta ousada e intrigante, afinal, como ela seria desenvolvida?


Descrevendo o trabalho árduo da profissional que é responsável por liderar 14 homens, Felippe mostra a eficiência do trabalho feminino e a dedicação de Luisiana. Responsável por pensar em estratégias de fuga e de combate ao fogo, a bombeira quebra os padrões da corporação que tem apenas 12% de seu efetivo composto por mulheres. Além de fazer parte do Corpo de Bombeiros, ela ainda é tenente, um cargo de liderança exercido apenas por ela e por outra colega em seu estado, Paraná. Elas são as exceções de um mercado de trabalho marcado pelo machismo. Apesar disso, Luisiana não se deixa intimidar e mostra toda a sua liderança diante de seus comandados. Uma história de sucesso e exemplo para várias garotas.


Entre uma das admiradoras da militar está a própria filha dela. A partir de uma escolha espetacular, o jornalista conta um pouco mais sobre a história da brigadista, fazendo o leitor conhecer mais do que apenas o seu trabalho. O medo das onças-pintadas, o cansaço e a saudade da família passam a ser de conhecimento público. Assim, a aproximação com o caso que está sendo contado se torna inevitável. Passamos a encarar a personagem como uma pessoa que poderia fazer parte do nosso círculo social e não está imune a nenhum dos perigos que a sua atividade oferece. Como Luisiana mesmo lembra, ela não é uma heroína.


A pauta de Felippe é tão bem elaborada e relevante que consegue, a partir da questão de gênero, abordar outro assunto preocupante para a sociedade brasileira: as queimadas no Pantanal. Por meio dos relatos de Luisiana e sua equipe, a reportagem nos traz a alarmante realidade do local, desde o testemunho da realização de incêndios criminosos até a dor de ver animais morrendo. Tudo é tão bem detalhado que mesmo sem imagens na matéria conseguimos visualizar as cenas. É inevitável lê-la e não sentir um misto de preocupação e revolta.


“Minha mochila pesa os mesmos 20Kg que a deles” é uma excelente leitura para analisar as desigualdades de gênero e os horrores que estão acontecendo em uma reserva natural tão importante. Além disso, a reportagem também serve como referencial para a construção de um texto impactante e comovente que parece misturar jornalismo com literatura. Um texto fluido que vale muito a pena a leitura.


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