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  • Foto do escritorPitacos

“Presos que menstruam”, livro de Nana Queiroz revela desafios de ser mulher, nos presídios do Brasil

Sem romantizar crimes, jornalista brasiliense conta a história de vida de detentas e denuncia abusos no sistema carcerário feminino

Ana Paula Jaume


Impactante e esclarecedor, Presos que menstruam (Editora Record, 2015) escancara a cruel realidade das presas (anônimas e famosas) brasileiras, ao mostrar a violação de direitos humanos dessas mulheres. A jornalista Nana Queiroz visitou presídios de Norte a Sul do Brasil, entrevistou detentas e expôs as lacunas das penitenciárias femininas. Porém, cabe frisar: o livro não deseja relativizar a gravidade de crimes ou inocentar as encarceradas. Mas explorar a visão humanizada de presas, vítimas, por vezes, fatais, de um sistema planejado para o homem.


(Capa do livro / Foto: Reprodução)


Presos que menstruam nasceu de um trabalho de cinco anos da autora. Pesquisas, processos judiciais e artigos fizeram a produção jornalística ganhar corpo. Quando a justiça do Brasil não a autorizava a entrar nos presídios, a fundadora da revista AzMina precisava ser voluntária nas penitenciárias e se passar por amiga de presas. Formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP), Nana Queiroz é especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Além de Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões brasileiras, escreveu Eu, travesti e foi organizadora do Você já é feminista. Criou o movimento #EuNãoMereçoSerEstuprada, em 2014. Ela coleciona passagens na Época, Galileu, Criativa e Veja, e nos jornais Correio Braziliense e Metro.


Antes mesmo de abrir o livro, diagramado sem nenhuma ilustração nas páginas, Nana Queiroz já provoca. Inspirado em um artigo de Heidi Cerneka, da Pastoral Carcerária, citado no epígrafe, o título da obra reflete como o Estado vê a população dos presídios. Ao excluir diferenças fisiológicas entre sexos, autoridades invisibilizam presas. A escrita reforça uma conhecida problemática: se fora dos presídios é difícil não ser homem, imagina atrás das grades. A violência contra a mulher, patrocinada pelo machismo cravado na sociedade, invade, sem resistência, as celas brasileiras. É o que vemos em Gardênia, Júlia e Safira, algumas das presas protagonistas dessa história real.


Convém observar, de início, o formato da narrativa. Em vez de despejar em um só capítulo a história de cada presa, Nana nos revela, aos poucos, as experiências delas. Cada seção deixa fatos e situações em aberto. Tal artifício funciona como meio de reter a atenção do leitor e “acostumá-lo”, aos poucos, com o tema denso por si só. No mais, ao longo da leitura, a escritora faz uma inserção pessoal. Apesar de jornalista, ela menciona a dificuldade de ouvir as presas sem julgá-las, em certas ocasiões. Fato este que evidencia o dever do repórter e manda um recado ao leitor: correr atrás da notícia, ouvir pessoas, absorver histórias e inseri-las na pauta, sem abandonar a ética jornalística ou carregar um olhar pronto sobre um tema.


Filho de presa, preso é. Na obra, a finalista do Troféu Mulher Imprensa em 2016 e 2018, discorre acerca do sofrimento (físico e psicológico) impostos às detentas até, às grávidas. Muitas, no parto, permanecem algemadas à cama (como se fossem capazes de levantar e fugir dali, derramando sangue, desgosto, lágrimas e frustração no chão). Não à toa, um dos capítulos de Presos que menstruam é intitulado "Filhos do cárcere". Nana cita que, no Brasil, poucos presídios têm berçários. E, mesmo com alas maternas, há problemas. Quando lotadas, mães e bebês se acomodam no chão frio e úmido das celas.


“Quando uma mulher é presa (...), ela perde o marido e a casa, os filhos são distribuídos entre familiares e abrigos. Enquanto o homem volta para um mundo que já o espera, ela sai e tem que reconstruir seu mundo". Grande parte das vezes, o companheiro a abandona, filhos são levados e patrimônios, perdidos. Isso pode fazer com que ela volte ao crime, e o pior torne a ocorrer. Nessa obra de não-ficção, a escritora ilustra suas colocações com reproduções dos depoimentos das presas, dando mais veracidade à história. De um jeito arrebatador, a leitura embrulha nosso estômago. Na “comida entregue crua, fria e, às vezes, com cabelos e insetos”, nos curtos banhos de sol, nas necessidades fisiológicas presenciadas por colegas de cela, nos gritos de dor ignorados das contrações do parto, o presídio brasileiro desconhece a dignidade.

Ao pontuar que o tratamento desumano potencializa traumas emocionais e psíquicos nas presas, Nana Queiroz traz passagens perturbadoras. No capítulo sobre Socorro, conhecemos a “frieza dos carcereiros que permitem que muitas cheguem ao desespero do suicídio sem nunca encaminhá-las a um psiquiatra”. Aliado a isso, outro pesadelo, agora, no dia de visita, é o ritual de revista. A ordem é: despir-se por completo, retirar roupas íntimas, agachar e ficar em posições deprimentes, para os guardas verificarem se há drogas escondidas nas partes íntimas das visitas. Familiares ou amigos das presas, ninguém escapa. Nem as crianças.


Para além disso, durante o processo de criação do livro, a brasiliense encontrou presas famosas, Suzane von Richthofen e Anna Carolina Jatobá, em Tremembé. Por serem duas autoras de crimes com grande repercussão midiática, isso captura a atenção e aguça a curiosidade do leitor. O comportamento exemplar delas, inclusive, fez Nana Queiroz batizar esse capítulo de “Efeito Suzane”, refletindo que "é fácil se deixar levar por simpatias pessoais e, principalmente, por histórias bem contadas".


Presos que menstruam, transformado em curta-metragem três anos depois de lançado, arranca a venda de nossos olhos. Por ser uma versão pouco divulgada pela mídia, o livro é necessário, sobretudo, aos futuros jornalistas de plantão. Verdade, empatia e consciência sintetizam o saldo positivo dessa experiência. Trata-se de cobrar políticas públicas de autoridades e conhecer a versão real dos fatos, não a inventada por poderosos. É sobre colocar-se no lugar de mulheres que, não raro, fazem do miolo de pão um O.B. (absorvente interno).


Afinal, um choque de realidade, forte o suficiente para romper nossas amarras, é sempre bem-vindo, não é mesmo? Sendo assim, o consumo de conteúdos como o livro base desta resenha, pode te ajudar a opinar sobre temas de interesse público. Ao fim da leitura, portanto, ponderamos que o preso que menstrua enfrenta duas sentenças: a do crime cometido e a prova de fogo de sobreviver no presídio.



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