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O quão machista é o ataque constante de Bolsonaro à imprensa?

Nathalia Medeiros

Reportagem do El País enfatiza como já passou da hora das redações reagirem aos repetidos ataques à imprensa, em especial às mulheres


No dia 26 de abril deste ano, o presidente da república reproduziu o desrespeito que emprega frequentemente contra jornalistas. Durante visita a Feira de Santana, na Bahia, para a inauguração do trecho de uma rodovia, Bolsonaro se irritou com a pergunta de uma jornalista sobre a foto em que ele aparece segurando um cartaz que simula um cartão de CPF com a palavra "cancelado", o que normalmente acontece quando uma pessoa morre. “CPF cancelado” é uma gíria associada a milícias e a repórter Driele Veiga, da TV Aratu, questionou Bolsonaro sobre as críticas que ele recebeu pela foto em um momento em que as mortes pelo coronavírus se aproximavam de 400 mil. O presidente, então, respondeu: “Você não tem o que perguntar, não? Deixa de ser idiota, menina!”.


(Bolsonaro posando com cartaz com os dizeres "CPF cancelado" durante visita a Manaus / Imagem: Reprodução)

Tendo em vista este caso exposto e os milhares de outros, em que o presidente e seus apoiadores atacaram jornalistas de maneiras plurais, Clara Becker produziu a matéria Passou da hora das redações reagirem aos repetidos ataques à imprensa, em especial às mulheres para o El País. Na escrita, ela reforça de modo preciso, como é chocante no Brasil o alto índice de violência contra a imprensa e como é essencial que as redações se estruturem para reagir de maneira institucional aos ataques que os veículos e seus repórteres, sobretudo mulheres, vêm sofrendo dia após dia.

A reportagem do El País, a princípio nos traz uma reflexão acerca do que significa a palavra repetição. A conceitualização científica desta palavra, comprova a famosa frase do ministro da propaganda na Alemanha Nazista, Joseph Goebbels, de que “uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”. Isso, porque a repetição é um dos conceitos da psicologia da desinformação que explica uma das muitas falhas de design do raciocínio humano que faz com que sejamos mais vulneráveis às notícias falsas. Ou seja, o nosso cérebro tende a confundir o que é familiar com o que é verdadeiro. Logo, quanto maior a nossa exposição a um conteúdo, mais familiar ele vai se tornando, e, consequentemente, mais verdadeiro ele soa.

Porém, é importante saber que o uso da repetição é uma das estratégias mais eficazes dos agentes da desinformação. Há muito tempo, instituições democráticas, como a da imprensa, vêm sendo atacadas de maneira sistemática e coordenada. Discursos censuradores e ataques contra jornalistas, têm como objetivo silenciá-los e quando vindos de governantes, é um ponto típico daqueles que são autoritários, diante de conteúdos que os descontentam. Dessa forma, a repetição desses ataques vai minando dia a dia a confiança na imprensa.

Clara Becker atua como jornalista, colunista e é fundadora do site Redes Cordiais (uma iniciativa que alia educação digital ao combate às notícias falsas e discursos de ódio nas redes sociais). Para escrever a reportagem, através de dados estatísticos, ela busca guiar o leitor ao entendimento necessário de que a imprensa vem sofrendo ataques anormais no Brasil. Segundo o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, que avalia anualmente, de maneira internacional, a classificação de países e suas condições quando se trata do livre exercício de jornalismo, o crescimento das violações à liberdade de imprensa é algo a ser observado em todo o mundo. O índice global está 12% mais baixo em comparação ao contexto em que foi criado em 2013 e de acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Brasil recuou cinco casas só entre 2018 e 2020, ocupando em 2020 a 107ª posição, e este ano a 111ª. Apesar dessa ser uma análise necessária no contexto mundial, é importante se atentar ao fato de que no Brasil, o alto índice de violência contra a imprensa é surpreendente. O Relatório sobre Violações à Liberdade de Expressão em 2020, da Associação Brasileira de Rádio e TV Aberta, apontou que no ano passado, a imprensa sofreu 7.945 ataques virtuais por dia, ou quase seis agressões por minuto.

Em janeiro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro desrespeitosamente denominou os jornalistas como “uma espécie em extinção”. Ao comentar sobre uma reportagem do UOL que o denunciava por usar dinheiro público na campanha eleitoral de 2014, o presidente disse: "Quem não lê jornal não está informado. E quem lê está desinformado. Tem de mudar isso [...] Eu acho que vou botar os jornalistas do Brasil vinculados ao Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente]. Vocês são uma raça em extinção". Diante disso, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) se posicionou ao escrever uma nota de repúdio à fala do presidente, que como muitas vezes, desde que foi eleito, usou um discurso característico de líderes autoritários diante de notícias que o desagradam, ao atacar o mensageiro sem se preocupar em esclarecer o fato noticiado.

Os ataques à imprensa - corriqueiros por parte do presidente e seus apoiadores - em poucos anos, ultrapassaram o uso de linguagem inapropriada na caixa de comentários ou e-mails para as milhares de mensagens de ameaças, insultos e verdadeiras campanhas difamatórias em todas as redes sociais dos repórteres. Desde o período de sua campanha eleitoral em 2018, Jair Bolsonaro mantém a injúria a veículos de imprensa e jornalistas como rotina. Ainda como candidato, o atual presidente reagiu às reportagens investigativas feitas pela Folha de S. Paulo, pregando o fim do jornal caso fosse eleito. No cargo, além de já ter mandado profissionais da imprensa calarem a boca e de se recusar a responder questões que considerou “desconfortáveis”, em 2019 o presidente publicou uma medida provisória desobrigando a publicação de balanços em jornais. Diante de seu contínuo estímulo à hostilidade contra jornalistas de diferentes veículos de informação, em fevereiro de 2020, o presidente ofendeu a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, com insinuações de cunho sexual sobre o trabalho da jornalista: “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço”, disse Bolsonaro aos risos na saída do Palácio da Alvorada. Um estudo feito pela organização Artigo 19 mostrou que a liberdade de expressão no Brasil teve queda significativa durante o governo Bolsonaro.


(Com uma manchete da Folha de S. Paulo na mão, Bolsonaro manda uma jornalista calar a boca - Pedro Ladeira/Folhapress)

Clara Becker, em sua matéria para o El País, por meio de dados estatísticos que incentivam a reflexão sobre a gravidade do cenário em que a imprensa se encontra, busca mostrar de que maneira os ataques, como os que o próprio presidente da república reproduz corriqueiramente, põem em xeque a credibilidade de toda a categoria jornalística. A matéria propõe a obrigatoriedade de que haja, mais do que imediatamente, uma estruturação das redações para que reajam de maneira institucional aos ataques que os veículos e seus repórteres, sobretudo mulheres, sofrem.

Prestar solidariedade nas redes sociais e publicar notas de repúdio, apesar de bem-vindas, estão longe de ser a solução genuína do problema. As redações precisam assumir seu papel na proteção online de seus jornalistas contra os danos profissionais e pessoais que os ataques digitais provocam. Se os ataques são organizados, as respostas a eles também precisam ser.


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