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  • Foto do escritorPitacos

Moda resistência

Atualizado: 1 de ago. de 2022

Como os morros cariocas tentam quebrar padrões estéticos estabelecidos pela mídia e pelo mundo fashion


Vitória Miranda


O mundo da moda é seletivo e excludente, como um reflexo da sociedade: impõe padrões estéticos que não condizem com a realidade social de grande parte da população. Mas, nas periferias, essa moda hegemônica é algo distante. Em várias comunidades, jovens tentam produzir sua própria moda, buscando outras formas de beleza. Chamado de Moda Resistência, esse movimento tem como lema “ver onde ninguém quer ver”.


Com o intuito de dar visibilidade a temas e pessoas marginalizadas e mostrar o cotidiano de favelas, o cineasta, cientista social, pesquisador, roteirista e produtor Emílio Domingos dirigiu a trilogia de documentários “Favela É Moda”, “Deixa Na Régua” e “Batalha Do Passinho”. Em “Favela É Moda”, o diretor acompanha uma agência de modelos que nasceu na favela do Jacarezinho, a Jacaré Moda. Crítica a indústria e a onipresença de modelos brancas, altas e magras nas capas de revistas e campanhas. 


A história da Jacaré Moda teve início com Júlio César Lima, morador do Jacarezinho, e sua vontade de estudar moda, um mundo que parecia distante demais para sua realidade. Ele buscou criar uma produtora de moda focada em encontrar seus modelos nos morros cariocas. Em um dos seus emocionantes discursos apresentados no documentário, Júlio usou a expressão “de favela para favela”, dizendo que a favela pode ser precursora do empoderamento da própria favela. 


Imagem: Reprodução


E da favela para o mundo! A estética fiel à realidade brasileira vem ganhando espaço no cenário mundial. O rapper MD Chefe rompeu barreiras com o sucesso da faixa “Rei da Lacoste”. O cantor assinou um contrato com a Lacoste e se tornou um dos associados da marca francesa. No instagram da Lacoste Brasil, o trabalho feito com o rapper atingiu marcas expressivas de engajamento: hoje seu vídeo apresenta o maior número de views da marca, com 7,5 milhões. Com um look chique, confortável e cheio de personalidade, MD Chefe mostrou para o Brasil e para o mundo que o favelado pode e deve vestir grife, andar “trajado” e fazer moda. 


Imagem: Reprodução


A cantora Anitta é hoje o maior exemplo entre artistas que levam suas comunidades a serem reconhecidas mundialmente. Em um aniversário da cantora em Los Angeles, o look escolhido foi um conjunto de lycra inspirado na marca Bad Boy, que remonta a um clássico dos anos 1990. O estilista por trás disso tudo é Jeanderson Martins, mais conhecido por Abacaxi, cria da Vila Kennedy e fã da moda periférica carioca dos anos 1990 e 2000. E com apenas uma foto postada pela cantora o look virou hit e a marca fundada por Abacaxi, a Pinã Loja, ganhou engajamento, seguidores e um aumento significativo em suas encomendas. Mas a grife Bad Boy cobrou direitos autorais, e as vendas do conjunto inspirado na marca foram interrompidas.



Imagens: Reprodução


Através da moda, as pessoas se comunicam, manifestam-se e quebram rótulos. Além da moda ser um ato de resistência, pode ser também uma forma de protesto: hoje, artistas e militantes buscam a ressignificação da camisa amarela da seleção brasileira e da bandeira, que, por causa do governo Bolsonaro, ganharam um significado que vai além do futebol. Para alguns, a camisa se tornou um ato político de patriotismo exacerbado, enquanto que, para outros, representa constrangimento e apologia ao ódio. O rapper Djonga é um dos artistas que desejam ressignificar o uso do uniforme da seleção. Em um show feito no Mineirão, declarou: “Com essa camisa aqui é mais gostoso de ouvir vocês gritando, porque os caras acham que tudo é deles, eles se apropriam do tema família, eles se apropriam do nosso hino, eles se apropriam de tudo, mas é o seguinte, é tudo nosso, e nada deles.”, disparou com a ideia de resgatar o orgulho dos brasileiros ao vestir a camisa.


Imagem: Reprodução

A cidade, a estrutura e a sociedade são desenhadas justamente para manter quem não tem privilégio em seus lugares. Por isso, para quem é favelado e vive nas margens da sociedade, é tão difícil expor sua personalidade através da moda. Desde as telinhas da televisão, até os castings de grandes marcas e revistas, há segregação, racismo e homofobia, o que dificulta imensamente a construção de amor próprio entre crianças e jovens marginalizados, sobretudo, pretos. Outras dificuldades são rotineiras para o jovem periférico que quer entrar no mercado da moda, seja como modelo, ou como estilista. Em pleno século XXI, uma rápida pesquisa no Google Imagens sobre “quem é a pessoa mais bonita do mundo” mostra majoritariamente imagens de pessoas brancas e com traços finos. Da mesma forma, se a pesquisa for a respeito de tranças, penteado muito comum e histórico entre mulheres e homens negros, a busca por “tranças bonitas” resultará em imagens de mulheres brancas, de cabelos lisos trançados, enquanto a busca por “tranças feias” revela fotos de pessoas pretas. Esses são apenas alguns exemplos de como o racismo está enraizado em todos os lugares, seja na internet, nas instituições, na política ou no mundo da moda.


A caminhada para quebrar os padrões estéticos estabelecidos pela sociedade está apenas começando, e a favela tem um potencial enorme para fazer moda e estar na moda. O padrão da favela pode ser fora dos padrões, e a moda da resistência é o caminho que jovens da periferia têm encontrado para exercer suas personalidades. A moda também é política e, para lutar contra preconceitos enraizados na sociedade, é necessária uma reconstrução do que é considerado belo e estiloso. 

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