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Expurgado: o apagamento de Mesut Özil

Pedro Dias


Um tweet. Apenas isso. Foi tudo o que, segundo Özil, foi necessário para o início de um pesadelo em sua vida como jogador e pessoa pública. Na publicação, o jogador expressava sua indignação com a perseguição sofrida pelos Uigures, uma minoria em geral islâmica na província de Xinjiang, China, e a cumplicidade de outros países ao se manterem em silêncio e não tomarem ações contra. Conforme o esperado, o governo chinês não gostou nem um pouco disso. No entanto, o Arsenal, clube inglês pelo qual joga, preferiu se distanciar da denúncia feita pelo jogador e, mais do que isso, internamente discutia como puni-lo. Assim começou o expurgo de Mesut Özil.


(Protestos em apoio a Mesut Özil. Foto: Ozan Kose/AFP)


As medidas chinesas contra essa declaração não foram brandas. Suas contas em redes sociais chinesas desapareceram, avatar foi removido de videogames e, após canais chineses retornarem a transmitir jogos do clube, os narradores se recusaram a falar o nome do jogador. Essas reações preocuparam o Arsenal e outros clubes da liga inglesa, não no sentido do bem-estar do jogador, mas no sentido financeiro. A China é o maior mercado internacional da Premier League, mas não deve surpreender o país ser o principal consumidor de algo. Logo, o clube e a liga não podiam se dar ao luxo de perder a transmissão televisiva dos jogos e patrocinadores, ainda mais em um ano sem a presença das torcidas nos estádios.


Pelo lado do Arsenal, teve início uma queda de braço entre clube e jogador. O time, como muitos outros, começou a enfrentar crises financeiras, uma das saídas seria diminuir os salários dos jogadores mais bem pagos e Özil tem o maior salário da equipe. Assim, começaram as negociações entre as partes, mas o atleta não estava satisfeito. Ele pediu explicações sobre o que seria feito com o corte no pagamento, se o dono do clube também contribuiria e se esse dinheiro seria destinado aos funcionários da equipe, mas ele permaneceu insatisfeito. Em junho, conforme as negociações avançavam, todos os jogadores aceitaram os cortes, exceto Özil. Ele está sem jogar desde então e insiste que tudo começou com aquele tweet. Contudo a história não para por aí. Suas ramificações continuam até hoje e chegam inclusive ao dinossauro que é mascote do clube.


Esses fatos servem para mostrar o silenciamento que ocorre sobre este tema e outros infindos mais. Na NBA (liga americana de basquete), o gerente-geral do Houston Rockets também sofreu com a censura ao se posicionar a favor de Hong Kong durante os protestos na região, acontece que mais pessoas assistem a jogos da liga na China do que nos EUA. No cinema, filmes com vilões chineses têm dificuldade em entrar no mercado do país e acabam lucrando muito menos. Essa censura chegou até mesmo no TikTok, quando uma jovem teve sua conta banida após iniciar um vídeo como um tutorial de maquiagem, mas após alguns segundos usar o resto do clipe para alertar seus espectadores sobre a situação dos uigures e conscientizá-los.


(Foto: Ozan Kose/Getty Images)


O medo de perder o grande mercado da China é maior do que a busca pelo bem-estar dessa população. O uso desse tipo de ‘soft power’ não é recente, quanto mais exclusivo do governo chinês, mas seu poder é capaz de trazer consequências irreparáveis. Portanto, o debate sobre a perseguição aos uigures é extremamente necessário. Apesar do governo insistir que os campos de concentração, os maiores desde o holocausto, são apenas reformatórios e centros profissionalizantes, as denúncias que chegaram a superfície falam de agressões, tortura e trabalho forçado, ou melhor dizendo, escravidão.


Quase um ano depois de trazer a público sua indignação com o caso e pedir respostas, Mesut Özil continua sem jogar e jogado ao limbo. A matéria de Rory Smith e Tariq Panja para o New York Times é um primor do que é o jornalismo e mostra que, por mais que doa, é preciso tocar nas feridas para trazer ao público a informação. Sejam jornalistas, jogadores, executivos ou ‘tiktokers’ o questionamento tem que ser feito e não deve ser calado pelo medo.





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