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De amor e de sombra: um romance sobre jornalismo em meio à ditadura chilena

Yasmin Montebello


A escritora e jornalista chilena Isabel Allende é uma das mais populares autoras latino-americanas. Com seus personagens, revela ao mundo elementos da cultura latina e preserva a essência e a história da região com respeito e cautela. A obra De amor e de sombra, (Bertrand Brasil, 2019), originalmente publicada em 1984, conta a história de Irene Beltran, uma jovem jornalista de uma revista de moda, e Francisco Leal, psicólogo por formação, mas que, por não conseguir emprego em um Chile de crise, trabalha como fotógrafo.


O pano de fundo da narrativa é a ditadura militar do Chile, comandada por Augusto Pinochet, que durou entre 1973 e 1990. Allende usa com recorrência o cenário catastrófico do regime nas obras, especialmente por tê-lo vivido. O presidente Salvador Allende, democraticamente eleito em 1970 e deposto num golpe em 1973, era tio de Isabel. Isabel fugiu do país e passou a escrever múltiplos enredos sobre a época, mesclando ficção e as versões mais cruas da realidade daquele Chile marcado pela repressão.


Imagem: Reprodução/Bertrand Brasil


Imagem: Reprodução


Irene e Francisco, vindos de contextos socioeconômicos distintos, se conhecem na revista e tornam-se melhores amigos, apesar dos sentimentos amorosos do fotógrafo pela parceira de equipe. Irene foi criada em berço de ouro, entre as melhores escolas, com as mais finas roupas, comida sempre à mesa e nenhuma preocupação com o que havia fora do universo criado para si pelo dinheiro da família. O estudo na universidade não conseguiu trazer novas perspectivas, e a garota prosseguiu sua vida sem grande ideia do caos do mundo real. Enquanto isso, Francisco cresceu em um ambiente familiar de revolucionários anarquistas. O pai, um professor marxista, reforçou durante toda a criação dos três filhos a ineficácia do Estado e como este devia ser derrubado. A chegada da ditadura apenas reforçou sua descrença no modelo socioeconômico capitalista.


Francisco consegue chegar até o doutorado em psicologia. Porém, a crise econômica desoladora do regime o faz perder as esperanças em encontrar um emprego na área, e por isso vai trabalhar como fotógrafo. Ele e a jovem jornalista são mandados para uma cidade interiorana próxima a Santiago, capital do Chile, para uma reportagem não tão usual sobre Evangelina Ranquileo que, segundo os comentários que se espalhavam, era uma santa.


Para investigar a ocorrência, a dupla vai até o local e percebe que a menina de quinze anos apresenta apenas uma espécie de comportamento atípico, sem nada de sobrenatural. Mas a garota desaparece nas mãos dos militares autoritários. Irene, ao descobrir do desaparecimento, promete à família da menina que irá encontrá-la. A jornalista e o fotógrafo partem, então, para os cantos mais remotos do país em busca de um sinal de Evangelina.


Nessa busca, a bolha de Irene começa a ser furada pela realidade: ela descobre corpos gélidos em mesas de necrotério, filas de refugiados em inanição, poços com cadáveres empilhados em estado de decomposição, cadeias femininas com mulheres abandonadas pelo governo…Ela encontra, nos horrores da ditadura e de uma pobreza característica do modelo capitalista, um mundo que não sabia coexistir com o seu estilo de vida abastado e pomposo.


Em De amor e de sombra, Allende revela um pouco do seu lado como jornalista, entre a reportagem, a investigação e a busca pela verdade, seja ela agradável ou devastadora. A lição que reforça é a da importância de um jornalista se manter informado e se conscientizar sobre novas realidades, apesar de muitas ultrapassarem suas vivências. O livro caminha entre questões como o amor, a amizade e a luta pela justiça, além de destacar o papel fundamental do jornalista e seu compromisso com a verdade.


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