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A Máquina do Ódio

Uma resenha sobre os impactos das fake news e violências digitais sobre a forma de se fazer política

Por Eduarda Lima


O livro A Máquina do Ódio, escrito pela jornalista Patrícia Campos Mello, conta - em suas 294 páginas - como as fake news e a violência digital impactaram, desde 2016, a forma de se fazer política com o avanço das redes sociais. O livro é dividido em quatro partes que trazem apurações, entrevistas e vivências pessoais de Patrícia.

Em seu primeiro tema, a autora descreve como as eleições brasileiras de 2018 foram pautadas nas redes sociais, deixando de lado a velha maneira de se fazer política através das mídias tradicionais. O candidato que mais se destacou e se beneficiou com isso foi Jair Bolsonaro, que através do mundo digital, principalmente com aplicativos como WhatsApp, viu sua campanha política decolar. Com notícias muitas vezes falsas, canais de informações alternativos e memes, Bolsonaro conquistou a maior parte do eleitorado, o que o fez ganhar as eleições no segundo turno, com 55,13% dos votos. Mas esse bom aproveitamento nas redes sociais não foi algo criado por ele. O então candidato se espelhou no ex-presidente norte-americano Donald Trump, que foi o verdadeiro pioneiro com suas estratégias de campanha nas eleições de 2016 nos Estados Unidos. Trump teve a ajuda de seu amigo pessoal Steve Bannon, que orientou sua campanha a utilizar a internet e personalizar seus conteúdos baseados nos dados de diversos cidadãos, para fazer anúncios ou mandar mensagens de acordo com as ideologias políticas de cada pessoa. Isso tornava visível mais um conteúdo de um candidato do que de outro.

Algumas agências de marketing vendem dados de usuários para empresas e políticos. Observando que esse método deu certo nos Estados Unidos, a equipe de campanha de Bolsonaro decidiu fazer o mesmo que o candidato estadunidense. Outro país que fez escola no uso das mídias sociais para influenciar a eleição foi a Índia. Narendra Modi conseguiu ganhar as eleições indianas para primeiro-ministro, usando as mesmas táticas de Trump e Bolsonaro.

No livro, a autora não deixa de notar o papel assustador que o WhatsApp teve nas eleições de 2018 no Brasil. No aplicativo, começaram a surgir grupos de apoio a Bolsonaro que foram crescendo e se popularizando, criando um exército de apoiadores fiéis. Em diversas redes sociais, a divulgação e o compartilhamento de fake news, muitas vezes era feito sem uma análise do conteúdo. Assim, muitas pessoas acreditavam que aquelas informações eram verdadeiras, o que facilitava ainda mais a propagação das notícias falsas. Essa rápida repercussão de inverdades promoveria uma série de consequências às vítimas dessas mentiras.

A autora foi vítima de violência digital em 2018, quandoa publicou uma reportagem sobre os disparos em massa de mensagens por WhatsApp contra o candidato à presidência Fernando Haddad. A matéria em questão dizia que empresários contrários a Haddad planejavam contratar agências de marketing para dispararem milhões de mensagens negativas sobre o candidato e influenciar o resultado daquela eleição. A matéria afirmava que isso feria a legislação eleitoral do país, e por isso, apoiadores de Bolsonaro espalharam a reportagem como falsa e alegaram que o jornal estava apoiando a candidatura de Haddad.

Ao vasculharem na internet, apoiadores do Presidente encontraram um vídeo de uma entrevista que a jornalista deu em uma universidade em 2013. No registro, alguém a pergunta sobre seu posicionamento político e ela diz: “sou de esquerda e sempre votei no PT, mas isso nunca impediu de fazer o meu trabalho”. Essa fala acabou dando margem para bolsonaristas atacarem a jornalista com xingamentos como “vagabunda comunista”, “jornalistinha comunista”, “putinha do PT”, etc. Ela recebeu várias mensagens em seus diversos perfis na internet. Uma mensagem em questão recebida pelo Facebook trazia a seguinte ameaça: “se você quer a segurança do seu filho, saia do país. Isso não é uma ameaça, é um aviso”. Mas esse não seria o primeiro caso de violência digital que a mesma sofreria, ainda iria vir mais.

Já em seu segundo tema, Patrícia conta sobre mais ataques que recebeu pelas redes sociais, por conta de suas matérias. Segundo o monitoramento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) realizado nos primeiros sete meses de 2022, foram registrados 66 ataques graves a jornalistas. Um aumento de 69,2% em relação ao mesmo período do ano passado. A Abraji também realiza o monitoramento de violência de gênero contra jornalistas, focando nas agressões sofridas por questões de gênero e sexualidade de forma mais abrangente. 5,8% dos casos registrados até julho de 2022, se encaixam neste grupo, como foi o caso da autora deste livro.

O monitoramento revela, que os principais autores dessas agressões são em sua maioria agentes estatais, com 209 (71,8%) dos casos de violências registrados contra a imprensa e seus profissionais. Familiares de Bolsonaro com cargos eletivos estão envolvidosem 157 episódios. O Presidente Bolsonaro atuou em 60 ataques, seguido de seus filhos, Eduardo com 51; Carlos com 32 e Flávio com 20. Esses ataques que vieram de agentes do governo e seus apoiadores que acabaram fazendo um terror na vida da autora e de demais jornalistas

Em razão das diversas matérias denunciando a larga produção e circulação de notícias falsas nas eleições de 2018, foi aberta em Setembro de 2019 a CPMI das Fakes News (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), com o objetivo de investigar mais afundo as denúncias de contratações de empresas para dispararem notícias falsas sobre alguns candidatos nas eleições. Meses antes da abertura da CPMI, a autora juntamente com outro repórter fizeram um levantamento de ações trabalhistas movidas por ex-funcionários de agências de marketing. Encontraram o caso de um ex-funcionário da agência Yacows, que trabalhou fazendo disparos em massa de mensagens na campanha de 2018. O nome dele é Hans Nascimento, que ficou na Yacows por 1 mês. Hans movia um processo contra a empresa por não pagarem horas extras e pela falta de intervalos para o almoço. Hans esperava que a matéria o ajudasse a fechar um bom acordo trabalhista com a agência. Na conversa que teve a jornalista, ele mostrou e enviou para ela algumas trocas de mensagens e fotos que guardava. O ex-funcionário contou que 99% dos disparos que fazia era para políticos, e 1% era propaganda para a Jequiti. Hans nunca deu uma resposta certeira sobre quem encomendava as mensagens.

Na Yacows, a tarefa dele era basicamente habilitar os chips e acionar os disparos. Para disparar milhões de mensagens, eles usavam emuladores de WhatsApp em computadores (dispositivo ou programa que imita um sistema, se valendo de um sistema distinto. Ou software que permite uma máquina se comportar igual a outra) conectados a celulares ou chipeiras que se inseriram os chips. Em uma das fotos enviadas à jornalista, havia muitas caixas para que se caso os chips fossem bloqueados pelas operadoras por excesso de mensagens, já teria um novo para pôr no lugar. Havia também uma lista com 10 mil nomes e CPFs para registrarem os chips, a maioria eram dados de idosos, compradas em locais de vendas de produtos falsificados e contrabandeados em São Paulo. Essa era uma das irregularidades que a Yacows cometia.

Dias depois de conversarem, Hans mandou uma mensagem para a jornalista dizendo que “era para retirar tudo que tinha falado até agora”. A autora perguntou se ele estaria sendo ameaçado, mas ele não deu retorno. Alguns dias depois o Tribunal Regional do Trabalho colocou em seu site a informação de que Hans e a Yacows entraram em acordo trabalhista, possivelmente usando as informações que sairiam na matéria para fechar o acordo. A matéria saiu dia 2 de Dezembro de 2018. A polícia não investigou tão afundo a Yacows nem as outras empresas citadas na matéria, e assim, o esforço que apoiadores do Presidente faziam para descredibilizar a matéria e a reputação da jornalista continuavam a todo vapor na internet.

E é aqui que voltamos para a CPMI, aberta em 2019. Dentre as pessoas e autoridades convocadas para depor estavam os ex-deputados federais Joice Hasselmann e Alexandre Frota. Hans Nascimento também foi convocado para prestar esclarecimentos em fevereiro de 2020. Em seu depoimento, mentiu sobre o conteúdo da reportagem, defendeu Bolsonaro, e acusou publicamente a jornalista de oferecer sexo em troca de informações. A partir daí, a autora passou novamente a receber ataques. Foram “memes” de mal gosto usando seu rosto, ameaças de agressões e até de estupro.

Patrícia já cobriu guerras em diversos países, epidemia do ebola na Serra Leoa, já tratou de temas sensíveis como estupro e agressão contra refugiados, e o fato de ser mulher nunca à impediu de fazer o seu trabalho. Depois dessas ameaças que recebeu, a Folha de São Paulo, jornal para o qual ela trabalha, contratou um segurança para poder levá-la aos lugares. Após a fala de Hans na CPMI, o Presidente Jair Bolsonaro foi questionado por alguns repórteres sobre o depoimento de Hans em relação às matérias denunciando o uso de perfis falsos para influenciar o resultado das eleições. O Presidente da República respondeu: “Ela queria o furo, ela queria dar o furo”. Depois dessa fala de Bolsonaro a autora passou a receber ainda mais ataques.

Um dos filhos do presidente, Eduardo Bolsonaro, gravou um vídeo ecoando a mentira contada na CPMI: “Eu não duvido que a Sra. Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o Sr. Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro”. Com duas pessoas públicas falando desse assunto como se fosse normal, abriu-se a porta para que outras pessoas também proferissem xingamentos à jornalista. A maioria vinha em tom de deboche, tratando o caso como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. Por fim, a autora decidiu processar Hans, Eduardo e Jair Bolsonaro. Outros ataques a jornalistas mulheres aconteceriam mais para frente, mas o que aconteceu com Patrícia serviu de exemplo para as outras jornalistas de como enfrentar essas situações difíceis.

O terceiro tema do livro mostra como os fatos alternativos são perigosos e de que forma os líderes populista usam esses fatos para criarem suas próprias narrativas. Donald Trump, durante toda a sua campanha nas eleições de 2016, propagou mentiras e negligenciou fatos. Até a quantidade de pessoas presentes no dia de sua posse em Janeiro de 2017 foi colocado como algo alternativo.

Quando Barack Obama assumiu, em janeiro de 2009, cerca de 1,8 milhão de pessoas enfrentaram um frio de 8 graus, para assistir do gramado do Capitólio a posse do primeiro Presidente negro dos Estados Unidos. Oito anos mais tarde, cerca de 600 mil pessoas encararam uma chuva fina para ver Donald Trump ser empossado. Mal chegou à presidência, e Trump já ficou enfurecido com a imprensa. Ao ver notícias comparando o número do público presente de sua posse com a de Obama, Trump disse que repórteres eram “seres mais desonestos da face da terra”, e que em sua posse houve o maior público da história. Mas bastava ligar a tv para assistir imagens do gramado vazio.

O porta-voz de Trump, Sean Spicer, repetiu o que foi dito pelo presidente: “foi o maior público em uma pose, ponto, pessoalmente e ao redor do mundo”. Mesmo tendo fatos que provem que não é bem assim, para o ex-presidente estadunidense e seus apoiadores, a imprensa sempre foi mentirosa e a melhor maneira de saber sobre as ações do governo era pelas redes sociais de Trump. Isso criaria uma comunicação direta entre governo e população, sem precisar da intercessão da imprensa. Mas ao fazer isso, Trump cavou uma vala de desinformação em que seus eleitores, completamente cegos, caíram e não acreditavam em nenhuma outra informação que não viesse diretamente de seu político.

A imprensa tem um papel importante de pegar as informações brutas, filtrá-las e depois passá-las ao público, da forma mais apurada e simplificada. Ao fazer essa comunicação direta com seus eleitores, sem ter a passagem dos meios de comunicação, Trump conseguiu criar uma narrativa de fatos paralelos, o que é extremamente perigoso. Líderes populista como o Trump tendem a adotar essas atitudes em relação aos meios de mídia a fim de atacar as suas reputações e tornar seus jornais menos confiáveis.

Na quarta e última parte do livro, a autora nos mostra a forma que o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, trata a mídia de seu país, e como inspirou Bolsonaro na maneira de atacar a mídia crítica brasileira. Viktor em pouco tempo de governo fez desparecer às mídias críticas que eram existentes na Hungria. Através da compra desses veículos independentes (por grandes empresários amigos do primeiro-ministro), Orbán fez com que jornais passassem a circular somente as informações que eles desejassem. A forma que eles encontraram de sufocar as mídias, foi por meio de termos econômicos. O livro diz que jornais, em geral, sofrem bastante com o financeiro, mesmo com anúncios e assinaturas online, o monetário acaba não dando conta.

No Brasil, Bolsonaro usou a mesma técnica que Orbán, mas de maneira "sútil", começando a diminuir os repasses de verbas para jornais que não fossem aliados ao governo, como a Globo, e aumentando as verbas das que considerasse alinhadas ao seu governo, como SBT e Record. Também houve uma insistência do Presidente e de sua assessoria de comunicação de que anunciantes não fizessem publicidade de seus produtos em jornais que criticam o governo. Por que para eles estes jornais “mentem” e “trabalham contra o governo” e que isso “ajudaria a afundar o país”, e que não comprariam um produto anunciado dentro destes jornais. Esse jeito de querer acabar com as mídias tradicionais, para controlarem o que pode ou não ser dito, tem a ver com o controle de narrativa e o domínio que esses líderes querem ter sobre a população. Para Orbán, Bolsonaro e o próprio Trump, os meios de comunicações tradicionais são controlados pela esquerda e ignorariam as conquistas dos líderes de direita. Mas na realidade, ao dizerem isso - muitas vezes - estão deturpando e descontextualizando as coisas, usando opinião como fato ou apenas espalhando notícias falsas.

Não se pode negar que a mídia tradicional tem o trabalho de tentar fazer um jornalismo imparcial, ouvindo sempre os diversos lados de um caso, para fazer a melhor cobertura possível de fatos e notícias, servindo-se de documentos e fontes. Os veículos tentam estabelecer um muro entre opinião e notícia. Até os jornais televisivos buscam manter uma visão equilibrada e imparcial sobre as notícias, mesmo que elas apareçam de forma hierarquizada. Esses ataques dos governantes à imprensa são para que esses possam se blindar das críticas, e jogar a culpa na credibilidade profissional da mídia.


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