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A assustadora gradação da violência política em um Brasil polarizado

José Mário Curvo e Ferraz Santos



Um pré-candidato à Presidência da República ameaça atirar em profissionais subordinados a um juíz. Uma vereadora municipal é assassinada no centro da segunda maior cidade do país. Uma caravana de apoiadores de outro pré-candidato ao Poder Executivo é atacada a tiros. Um candidato sofre um atentado e é esfaqueado durante uma passeata no meio da campanha eleitoral. Para alguém que não acompanha o noticiário político, esses fatos provavelmente seriam datados há séculos passados ou em países subdesenvolvidos. Mas, todos ocorreram em um intervalo de um ano e seis meses no Brasil. Sem dúvidas, esse fanatismo repete alguns reflexos das décadas de 1920 e 1930. Entre eles, a as agressões, principalmente. Importando, assim, uma esquizofrenia eleitoral para o Brasil, termo esse destacado pela reportagem Esquizofrenia eleitoral: quando a polarização política provoca violência do portal Gazeta do Povo.


E, para tornar mais arcaico esses acontecimentos, há um agravante: quem condená-los pode ser xingado de fascista ou comunista. Esses são os reflexos de uma sociedade cada vez mais polarizada. Não tem como negar que se desenvolveu, no Brasil, um fanatismo político. Aliás, fanatismo muito similar aos movimentos autoritários do século passado que centralizavam o poder em um líder. Nesse sentido, vale ressaltar que tanto o fascismo quanto o comunismo reproduziram, na prática, essa violência exacerbada em uma sociedade com poder centralizado no comandante “perfeito”.


Apesar do texto assinado pela redação da Carta Capital ter sido publicado há dois anos, ele ainda é bem atual. Na verdade, se o autor não contextualizasse que havia uma corrida presidencial no momento de produção da reportagem, seria impossível datar a matéria. Chega a ser lamentável caracterizar a reportagem como atemporal, pois demonstra a falta de mudanças nessa triste realidade brasileira.


A análise do texto sobre a violência política é certeira. É impressionante a descrição dessa esquizofrenia eleitoral, aliada a um comportamento primitivo dos brasileiros. De fato, o diálogo é muitas vezes substituído por ameaças, xingamentos e, até agressões. Um exemplo disso foi o acerto da previsão de um possível terrorismo no Brasil, feita por Catarina Gewehr, professora de psicologia social da FURB (Universidade Regional de Blumenau). No final de 2019, um homem ateou fogo na sede do Porta dos Fundos motivado por um especial de Natal do grupo na Netflix, no qual é insinuado que Jesus Cristo passou por experiências homossexuais no deserto. Algo totalmente inimaginável no começo da década.


Outro ponto interessante do texto é ressaltar a tendência histórica do brasileiro de glorificar a figura de um líder, um salvador nacional. Foi assim com a Princesa Isabel ao assinar a Lei Áurea, com o Antônio Conselheiro ao liderar o movimento messiânico de Canudos, com Tiradentes como o símbolo militar da República e com Getúlio Vargas, o pai dos pobres. Essa idealização de um mito imune a qualquer julgamento, que ocorre nos dois lados da polarização, é totalmente prejudicial para o país. A reportagem constrói essa ideia de modo imperdível, transmitindo ao leitor de modo crítico e informativo as prejudicialidades de se ter um “político de estimação”. A retomada histórica foi um recurso bem utilizado e intrigante para que o leitor faça um paralelo entre a atual conjuntura e o padrão percebido pelo autor.


Uma grande parcela da população defende exageradamente políticos de estimação e, por consequência, são incapazes de reivindicarem melhorias dos seus “queridinhos” no Congresso. Isso acontece pelo simples desejo de não admitir um erro para o rival político, que, por sua vez, age da mesma maneira. Mesmo diante de tanto erros prejudiciais para uma nação, ambos os polos mantém uma defesa incansável pelo seu lado político. É o auge da primitividade, e até infantilidade, defender o indefensável simplesmente por não admitir o erro ou por não querer concordar com o lado oposto. Na reportagem, alguns especialistas abordam o estopim da esquizofrenia eleitoral. Para a maioria, as redes sociais são as responsáveis pela potencialização desse pensamento retrógrado, uma vez que as pessoas ganham voz e encontram apoiadores. Mais uma vez, foram certeiros. Essas ideias retrógradas e agressivas pareciam mortas, só pareciam mesmo, uma vez que bastava apenas uma conjuntura ideal, no caso brasileiro uma crise política e econômica, para essa violência enraizada renascer.


A polarização gera esse pensamento irracional, pois, quando se critica uma atitude de um político extremista, automaticamente esse sujeito também é taxado de extremista, só que do outro polo. O resultado também é exposto pela reportagem na análise da professora Catarina Gewehr. Na sua concepção, as eleições ganharam uma ressignificação na era polarizada. Segundo ela, o objetivo é destruir aquele que pensa diferente, ao invés de focar no melhor para o país. Basta observarmos as famigeradas zoações, às vezes acompanhadas de agressões físicas e verbais, durante os períodos eleitorais para vermos outra previsão assertiva da educadora. Toda essa vontade de se gabar e destruir o derrotado por uma vitória nas urnas reflete a infantilidade e a agressividade de alguns indivíduos. O foco deixou de ser o voto consciente, realizado após uma análise crítica de todos os candidatos, e passou a ser a derrota do lado oposto.


Inegavelmente, o fanatismo cega. De um lado, temos a negação à ciência e o ódio à imprensa, o principal meio de informação de uma democracia. Do outro, o negacionismo de crimes de corrupção documentados e comprovados. Mas, por sorte - ou azar - a situação brasileira não é um caso isolado. A matéria do Gazeta do Povo relata alguns casos bem semelhantes ao momento atual do país e que fogem ao senso comum. Foi o caso, por exemplo, dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. Grupos contrários e favoráveis à continuação do país no combate protagonizaram movimentos violentos, inclusive envolvendo atentados, em diversos estados americanos. A pacificação do país veio somente após o fim da Guerra do Vietnã e com forte ação policial. Além disso, também foram citadas violências políticas na França, Angola, Zimbábue, Congo, Nigéria, México, Ucrânia, Índia e Timor Leste.


Porém, faltou um caso clássico e extremo de polarização: a Guerra Civil de Ruanda. O confronto causou um genocídio com mais de 1 milhão de mortes. Embora a causa da polarização seja étnica e não política, a conjuntura do ódio, falta de diálogo e incentivo à violência pelos cidadãos e pelos políticos é praticamente a mesma que no Brasil atual. Não se pode, em hipótese alguma, ser descartada uma guerra civil no país, cuja sociedade é violenta.


No Brasil, há um estranho crescimento de líderes políticos, de ambos os polos, adeptos à violência direcionada à imprensa, um reflexo claro de extrapolação dos limites de governantes em plena democracia. A reportagem abordou de maneira sutil esse tema, expondo alguns dados de violência contra jornalistas e alertando para um possível aumento de casos. Com uma visão do presente, percebe-se que o texto também foi cirúrgico no aviso, uma vez que relatos de ataques à mídia cresceram em 50% entre 2018 e 2019. Vale lembrar que os agressores têm perfis diversos: de terceiros contratados por um órgão administrativo de uma determinada região para agirem como espécie de “guardiões” - isso, em específico, não foi previsto por ninguém - até o cargo máximo do Executivo.


Mas, qual seria a possível solução para essa polarização? Bem, é difícil crer em uma mudança em curto prazo. Aliás, essa tendência política vem numa crescente desde as manifestações de 2013. No entanto, há esperanças. O texto da Gazeta do Povo cita os exemplos de Serra Leoa e Uruguai. No país africano, a solução veio após um longa guerra civil de onze anos. Já no nosso vizinho continental as eleições democráticas ocorrem sem episódios de violência desde o término da ditadura uruguaia, com direito a sete transmissões de poder tranquilas entre diferentes grupos políticos.


Evidentemente, ninguém deseja que o Brasil passe por outra ditadura ou por uma guerra civil para reverter essa esquizofrenia política. Já basta uma pandemia que, infelizmente, parece ter potencializado a violência social por conta do negacionismo da ciência. Comparando a pandemia com os casos de Uruguai e Serra Leoa, o Brasil teve muito mais mortes do que os dois países somados. Até a conclusão desta matéria, já são contabilizadas 127.004 vidas perdidas, contra 50 mil no país africano e 100 mortos - além de 174 desaparecidos - no sul americano. Seria o momento ideal de virar a chave nessa polarização totalmente prejudicial para o Brasil. No entanto, a esquizofrenia política e o fanatismo cego não permitiram…


Vale a pena a leitura de um texto de dois anos atrás? Claro! A reportagem pode até ser considerada atemporal pelo fato do assunto ainda ser pertinente na realidade brasileira. Os dados e exemplos da matéria são colocados de maneira sutil, enriquecendo os argumentos do redator, mas sem fugir do foco ou entediar o leitor. É preciso também elogiar a escolha dos especialistas e a incrível taxa de acerto das previsões escritas. A leitura é recomendada para qualquer um que deseje se aprofundar nessa loucura eleitoral brasileira, inclusive, até pelo fato de que são abordadas possíveis soluções para essa polarização por meio de exemplos reais. O lado negativo na reportagem? Perceber que não houve queda na violência política no Brasil, muito pelo contrário.


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