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Democracia, bolsonarismo e antipetismo: como a piauí construiu uma retórica que beira a perfeição

Ana Carolina Evangelista usa estratégias argumentativas e literárias para tecer uma crítica poderosa ao autoritarismo da chapa Bolsonaro-Mourão.

Camila Sant’Anna


Durante toda minha vida, ouvi o alerta da minha mãe de que tomar uma posição contra algo é muito mais fácil do que se posicionar a favor. O clima pré-eleições de 2018 e a então posse do ex-deputado Jair Bolsonaro, a sombra de um discurso de antipetismo por parte de muitos seus eleitores, prova essa tese. Fato é que a aversão criada pela maioria da população ao PT (e aos governos de esquerda em geral) marcou esse momento na história política brasileira e até hoje ainda não se desfez. No artigo Antipetismo e Democracia de Ana Carolina Evangelista para a revista piauí, a cientista política prova, com exemplos concretos, referências bibliográficas e explícita parcialidade como esse movimento permitiu a ascensão de figuras fascistas e autoritárias no cenário político brasileiro.

Segundo a autora, Bolsonaro e Mourão já deram provas de autoritarismo. (Crédito: ©Diego Bresani)


A piauí, criada em 2006, não se propõe a fazer jornalismo imparcial e objetivo. Muito pelo contrário, sua proposta proposta é a de um jornalismo literário, que “conte bem uma história”, nas palavras do próprio idealizador da revista, João Moreira Salles. E, de forma excepcional, Ana Carolina Evangelista, cientista política, pesquisadora do ISER (Instituto de Estudos da Religião) e jornalista no programa Greg News, utiliza diversos artifícios da literatura que ajudam a conduzir o texto, que muitas vezes são ignorados pelo jornalismo convencional. Ao usar expressões como “botar lenha na fogueira” e “pavimenta o caminho”, ambas metáforas, ela aproxima sua escrita do português “falado”, invocando imagens mentais ao leitor.

Além disso, a autora também utiliza estratégias argumentativas como a refutação e silogismos, que cuidadosamente permeiam a coluna e indicam o caminho do pensamento para quem a lê. A refutação, que consiste em apresentar e contra-argumentar opiniões contrárias às suas, é usado diversas vezes em partes como: “Essa comparação (PT x PSL) incorre num equívoco fundamental ao equiparar os dois grupos” e “Isso não significa dizer que nada aconteceu de errado em governos petistas recentes”. Assim, Ana Carolina ensina como encontrar soluções inteligentes, antecipando os argumentos da oposição e rebatendo-os diretamente no texto. Faz isso porque, em um assunto extremamente polêmico, seria de se esperar um afrontamento do lado contrário.


Já para compreender os silogismos, argumentos baseados em duas premissas que levam a uma conclusão lógica, é preciso um olhar mais atento. Em dado momento do texto, ela apresenta a conduta e o comportamento inaceitáveis do presidente. Com o seguinte trecho, “São apenas alguns dos inúmeros exemplos de suas [Jair Bolsonaro] convicções profundamente antidemocráticas”, é possível entender que o então candidato à presidência é, para a jornalista, autoritário. Em seguida, o autor citado por Ana Carolina afirma que candidatos autoritários destroem as democracias. Portanto, logicamente, ao eleger Jair Bolsonaro, declaradamente autoritário, estaríamos colocando a democracia brasileira em perigo.


Essas estratégias são, como dito acima, pouco utilizadas pelos grandes veículos de imprensa, sobretudo na cobertura de hard news, mas é válido conhecê-las e usá-las. Enquanto matérias subjetivas são consideradas impróprias pelo código de conduta do jornalismo imparcial adotado pela maiorias das empresas, a frieza de algumas reportagens é pouco atrativa e não prende a atenção do leitor. Nesse quesito, a união da objetividade e literacidade pode render bons frutos.


No aspecto estrutural do texto, Ana Carolina lança mão de parágrafos pequenos, muitas vezes com um único período. Novamente, apesar de fugir da normalidade, essa formatação dinamiza um texto que trata sobre um assunto denso e extremamente polêmico.


O uso de um autor e sua obra como fios condutores de grande parte do texto também não é por acaso. Ao mesmo tempo em que utiliza o livro Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky para sair do achismo de uma opinião individual, a colunista consegue expor suas opiniões sobre o bolsonarismo e a ascensão do fascismo de forma mais generalizada e implícita. Assim, evita, conflitos diretos ao mesmo tempo em que passa sua mensagem.


Mensagem essa que é, durante todo o texto, de alerta. O clima de tensão e polarização já estava presente no Brasil desde o final do governo Lula, em 2010, mas foi preciso a emergência de um candidato no seu extremo oposto para que o tema fosse mais debatido. E, seguindo a argumentação de Ana, a posse de Bolsonaro e, com ela, a exaltação de todas as ideologias que ele representa, deve preocupar a todos nós, ou, no mínimo, despertar a população para a vinda de tempos mais sombrios. Debates como o proposto pela jornalista, nos quais não há espaço para dúvidas e más-interpretações, são cada vez mais necessários no contexto político brasileiro, e é impressionante que a colunista o tenha proposto antes mesmo da eleição do atual presidente.

Para a autora, dizer que Lula e Bolsonaro são dois lados da mesma moeda é um erro possivelmente fatal para a democracia brasileira. (Imagem: Reprodução)


No fim, não há como negar a genialidade e originalidade da piauí, de seus jornalistas e de seus colunistas. Apesar de ser um conteúdo jovem, as reportagens da revista deveriam contar como leitura obrigatória para todos os estudantes que se desafiam a não fazer mais do mesmo, expandir seus horizontes e causar transformações extremamente necessárias na forma em que fazemos jornalismo. Afinal, grandes mudanças nunca vem quando se está estagnado no mesmo lugar e a piauí está disposta a caminhar.

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