Clarice Lopes
(Cartaz do documentário / Imagem: Reprodução)
Em 2012, o jornalista argentino Hernán Zin estava num carro no Afeganistão quando teve a sensação de que iria parar de respirar e morrer ali mesmo. Pediu ajuda, mas as pessoas ao seu redor não entendiam o que estava acontecendo. Naquele instante, em meio ao caos da guerra, nem ele sabia que estava tendo um ataque de pânico, uma das consequências de mais de 20 anos atuando como correspondente internacional e vivenciando momentos que custaram sua saúde mental.
Seis anos depois do incidente, estreou o documentário A Vida Pela Notícia (Morir Para Contar, no idioma original), no qual Zin reuniu sua experiência na cobertura de conflitos armados com a de outros jornalistas a fim de mostrar os riscos e as sequelas dessa atividade. A produção, que mistura testemunhos dos repórteres e material registrado por eles nas zonas de guerra, relata momentos trágicos em que os profissionais foram vítimas de acidentes, sequestros ou abusos sexuais. Também são relembradas as impactantes mortes de alguns deles, como a do correspondente do jornal El Mundo, Julio Fuentes, em uma emboscada no Afeganistão, em 2001.
As escolhas técnicas do documentário foram fundamentais para a construção da narrativa. Por um lado, os correspondentes estão posicionados de frente para a câmera e isso dá um toque intimista às entrevistas, nas quais são narradas situações de extrema vulnerabilidade vividas na guerra ou causadas por ela. Um dos momentos mais marcantes é quando os jornalistas falam sobre a morte de Julio Fuentes e a dor e a culpa que sentiram ao perder um colega de profissão. Dentre eles, está Mónica G. Prieto, que era casada com Fuentes e recebeu a notícia de que seu marido não voltaria para casa. Por outro lado, a exibição de imagens de arquivo produzidas nas zonas de conflito é importante porque ilustra as histórias contadas. Além disso, contribui para que o espectador seja transportado para uma realidade de caos e destruição na qual, por exemplo, crianças são tratadas em um hospital depois de ataques em Gaza.
A questão da saúde mental é muito bem explorada no filme. Por meio das narrativas dos jornalistas entrevistados, percebe-se como o equilíbrio psicológico e emocional é colocado em jogo quando a missão é contar histórias em um espaço de conflito. A constante sensação de perigo combinada aos dolorosos eventos presenciados e/ou vividos pelos repórteres mostram que cobrir uma guerra vai muito além de reportar o factual e tem resultados graves na vida dos profissionais. Na hora de voltar para a casa, o reajuste à vida cotidiana é difícil. São comuns os casos de transtorno do estresse pós-traumático, depressão e ansiedade; além disso, o sentimento de solidão é frequente, já que os amigos e familiares não compreendem a dimensão dos traumas.
A Vida Pela Notícia é essencial porque apresenta de maneira muito crua os horrores da guerra e seus desdobramentos. Ao focar na figura do jornalista, Hernán Zin faz um excelente trabalho em explorar, com cuidado e profundidade, o preço que se paga por testemunhar a história em 1ª pessoa: uma parte da vida que morre e não pode ser restaurada. O documentário é também uma importante homenagem ao trabalho jornalístico e àqueles que morreram praticando a profissão. Por fim, Zin mostra ao espectador que as feridas causadas pela guerra doem, e deixam cicatrizes que não permitem o esquecimento por parte daqueles que, de uma forma ou outra, a vivenciaram.
Disponível na Netflix.
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