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Ser jornalista na atualidade: para além do óbvio

Lívia Vardasca Miranda


No último congresso da Abraji, em 2020, Cécile Prieur, vice-chefe do jornal Le Monde, participou de uma das mesas com Natalia Mazotte, da Abraji, para contar sobre o modelo alternativo de paywall e as inovações digitais implementadas pelo jornal durante a pandemia.


Claro que esse último tópico foi o que mais me deixou curiosa: com o universo online, que se transforma numa velocidade sem precedentes, e a crescente avalanche de fake news, desestabilizantes da democracia, é interessante saber que jornais estão empenhados em acompanhar essas mudanças.


Não só interessado em marcar presença em novas plataformas, mas preocupando-se com a disseminação e democratização do conhecimento, o jornal Le Monde criou o seu espaço. Conseguiu levar seu time de profissionais e informação de qualidade para, desde os ‘tiozões de whatsapp’, às populares lives, que marcaram nossos confinamentos, até - pasmem - a geração Z no seu (ou nosso?) novo queridinho, TikTok.


Informação vs. Assinatura


Agora vamos às inovações, de fato. Com o início da pandemia, o site do jornal passou a ter um paywall misto: isso significa que há tanto conteúdos livres, quanto exclusivos para assinantes. Cécile contou que um dos principais objetivos do Le Monde, nesse momento, era conseguir manter o apoio dos leitores - através das assinaturas - e, ao mesmo tempo, conquistar novos.


Nesse mesmo cenário, eles criaram a aba Les Décodeurs (“Decodificadores”), que traz conteúdo gratuito produzido por especialistas do jornal francês. Essa aba ainda existe, principalmente, pelo compromisso do jornal em não deixar ninguém refém de assinaturas para acessarem informações de qualidade sobre a crise global provocada pela Covid-19.


Livestream, crise e news avoidance


Para efetivar sua presença nos lares franceses, o jornal estreou, também, o seu primeiro livestream, que acontecia no próprio site. A cobertura durava das 5h da manhã à meia noite e trazia breaking news da pandemia. Os jornalistas liam e comentavam as manchetes do dia, além de interagir com o público e responder eventuais perguntas.


Sobre o novo formato, a intenção do Le Monde era se apropriar do tom mais lúdico e de proximidade que a live oferece, para criar uma relação de confiança com seus espectadores. E, por mais que não seja tão nítida à primeira vista, essa relação é importante quando existem tantas dúvidas e lacunas sobre um assunto, como estamos vivendo agora - a cada dia redescobrimos o vírus e, de certa forma, nós mesmos.


Entretanto, as notícias de 2020 dificilmente fugiram do tom de tragédia. Essa repetição de notícias deprimentes gerou o fenômeno de news avoidance, em que as pessoas, mental e emocionalmente exaustas, evitam noticiários, jornais e revistas. Evidentemente, o excesso de informação prejudica a saúde, mas o isolamento dos acontecimentos do mundo também pode ser perigoso. E é importante lembrar que jornalistas não são imunes a esse cansaço, dar notícias ruins pode e deve ser tão difícil quanto recebê-las.


Foi nesse contexto que o Le Monde estreou um segundo livestream em seu site, este, agora, com um tom mais intimista, no qual eles se permitiam dar boas notícias e falar de assuntos dissidentes das crises que assolam 2020. Essa prática, que começou com caráter experimental, deu tão certo que tornou-se um “encontro marcado” com o público e um espaço orgânico de trocas. Troca de experiências, de aflições e de alegrias.


O cronograma diário contava com uma pergunta pela manhã para abrir a discussão e recolher depoimentos; depois um encontro de receitas culinárias ao meio dia; à tarde, conversas com algum especialista (psicólogo, filósofo, sociólogo, escritor…) e, para fechar, indicações de “como ocupar sua noite confinada”, além de artigos de diversos temas, que eram compartilhados ao longo do dia.


Esse tipo de iniciativa mostra como o trabalho de jornalistas é imprescindível para passarmos por períodos tão delicados como o atual. Foi uma iniciativa nobre: além do comprometimento em trazer respostas ao público, apesar do ambiente totalmente caótico, esses profissionais tiveram a sensibilidade de produzir um novo programa, do zero, para se fazer respiro e alento à população francesa e, de certa forma, para enfrentarem a pandemia juntos.


Le Monde (du TikTok)


Incrível né? Mas o Le Monde não para por aí não! O aplicativo chinês TikTok se tornou o app mais baixado em 2020, tendo um “boom” em alcance mundial durante a quarentena. Tempo de sobra… confinados em casa… estresse presente… difícil resistir à nova febre e participar dos incontáveis challenges e dancinhas do TikTok! E foi exatamente isso que o jornal fez, mas na sua própria versão.


Não é novidade que o aplicativo conquistou muita gente nesse período, mas será que Tik Tok e jornal combinam? Pode parecer estranho se pensarmos num formato mais tradicional e engessado do jornalismo, mas vários veículos nos provaram o contrário! Mais do que apenas uma “modinha” passageira da pandemia, Dave Jorgenson, produtor de vídeo do Washington Post, acredita que o aplicativo veio para ficar e que vale, sim, a grande mídia marcar presença.


O Washington Post ingressou na plataforma ainda em 2019 e se tornou super popular, com 729 mil seguidores e mais de 27 milhões de curtidas em pouco mais de um ano de produção. O segredo para esse sucesso é usar uma linguagem, temas e um formato audiovisual que condizem com a plataforma e seu público, bem mais jovem. Porém, mais do que likes e seguidores, a grande inovação é conseguir mostrar que notícias e informação de qualidade não precisam ser chatos, difíceis ou antiquados. E essa era exatamente a intenção do Le Monde, quando resolveu marcar presença lá, assim como o jornal americano.


A equipe de inovação do Le Monde é a responsável por criar o conteúdo que vai ao ar no TikTok - essa é a mesma que cuidava do Snapchat do jornal anteriormente. Eles trazem pautas quentes e frias de forma lúdica, de forma tal que muitos vídeos utilizam objetos que encontramos em casa como açúcar, copo com líquidos coloridos, post-it, cartas de baralho… Outro aspecto que é um “must have” para o sucesso na rede social é o humor, que deixa tudo mais leve.


Cécile contou no congresso que o objetivo de alcançar esse novo espaço online era justamente ampliar o alcance do jornal para um novo público e mostrar para esses jovens que “não é porque somos o Le Monde que somos muito antigos ou sérios demais. Nosso trabalho foi trazer as notícias e o jornalismo de uma forma democrática”. E sem perder a excelência, explica a vice-chefe.



Viralizou! Mas dessa vez não é fake


E, finalmente, chegamos à plataforma que eu, particularmente, já acreditava ser exclusiva para imagens de “bom dia” e notícias - falsas. O Le Monde criou um canal de informações no whatsapp com o início da pandemia, que ainda está no ar e funciona da seguinte forma: no site do jornal, existe uma página em que eles dão o passo a passo de como se inscrever, que é bem simples. Basta enviar “Bonjour, je souhaite accéder au nouveau service WhatsApp du Monde” para um determinado número e eles te enviam o restante das instruções.


Depois de inscrita, você recebe as notícias no formato de “threads” (fios), conhecida pelo uso no Twitter: cada mensagem é relativa a um tema principal, seguida por alguns pontos e desdobramentos em tópicos. Novamente, o jornal se adaptou ao meio e fazem esses textos com linguagem objetiva, simples, uso de emojis e, até o formato de thread já denuncia uma adaptação ao formato do whatsapp.


Tudo isso é valioso, mas mais importante ainda é que o aplicativo chega perto da disputa de velocidade com as fake news: notícias falsas se espalham até sete vezes mais rapidamente do que fatos. Cécile explicou que o canal de Whatsapp tem um caráter de viralizar com facilidade, pela rapidez do compartilhamento. Justamente por isso é eficiente em desmentir eventuais fake news ou espalhar informações urgentes. Além disso, o Le Monde tinha, até a data do congresso em questão, mais de 25000 inscritos nessa thread.


Ih, é em francês...


Deixo algumas considerações finais para que, principalmente, não se acanhe pelo idioma. O Le Monde é um jornal de extrema qualidade e, com algumas ferramentas, podemos driblar as barreiras de comunicação e apreender enorme conhecimento: seja por simples desejo de informar-se, ou por busca de inspiração e referência, caso seja uma futura jornalista, como eu.


Para os conteúdos escritos, tanto o site do Google Tradutor, quanto a opção de tradução direta da página na web quebram um galho enorme na compreensão da mensagem. Apesar de eu ser uma entusiasta do francês, ainda não domino a língua, então confesso que o conteúdo audiovisual foi mais desafiador para entender. Porém, encontrei nos vídeos do TikTok uma ótima forma de me familiarizar com palavras novas e afiar meu ouvido - as frases são curtas e a boa dicção dos jornalistas pode nos ajudar bastante nessa questão.





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