Ariadna Dos Anjos
Que as florestas amazônicas vivem um momento histórico em relação a sua devastação, já se sabe. Recentemente, o mundo teve seus olhos focados em outro obstáculo, a pandemia de Covid-19. Mas enquanto nos centrávamos no recém chegado vírus, a situação ficou mais devastadora e as queimadas ilegais continuaram a crescer. Nossa desatenção coletiva propiciou o cenário ideal para a realização do crime ambiental. A reportagem especial Retratos da Amazônia - Revista Gama traz em seu site oficial, os impactantes registros de fotógrafos que estiveram nas áreas mais afetadas pelas chamas que se alastram e vem tomando proporções antes inimagináveis.
(Créditos: Victor Moriyama)
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), houve um aumento de 51,7% no número de queimadas na floresta amazônica durante os primeiros seis meses de 2020, em comparação ao mesmo período do ano passado. Apesar da negação por parte das autoridades responsáveis, a destruição da Amazônia fica ainda mais evidente quando acessamos aos dados. Somente nos primeiros 14 dias de setembro deste ano, foram registrados mais incêndios que em todo o mês de setembro de 2019.
Escrita pela jornalista Laura Capelhuchnik, a reportagem e série de fotos serve como denúncia para a falta de atenção com um perigo iminente: a total destruição da cultura e da história que vive nas regiões amazônicas. “Nosso papel é o de ser os olhos de uma sociedade para problemas que estão acontecendo em realidades muito distantes, para que as pessoas entendam e se sensibilizem”, diz a fotógrafa Ana Mendes, que registra desde 2017 a comunidade indígena Akroá-Gamella, no Maranhão. É crucial entender que a fotografia vai além de simples imagens, é também a forma de explicitar sentimentos e repassar informações que muitas vezes perdem destaque na mídia devido à necessidade de se noticiar outros assuntos. Há uma urgência em voltar nosso foco para a gravidade dos perigos das queimadas ilegais e a grande devastação ambiental decorrente delas.
Os povos indígenas temem os perigos do fogo diariamente e, sem a ajuda das autoridades responsáveis, suas vidas são ameaçadas. O trabalho dos fotógrafos é uma maneira de dar visibilidade ao que, até hoje, é pouco visto. Junto com a fauna e flora que ali vivem, a vida indígena enfrenta a evidente vulnerabilidade diante da ameaça de perda de seus territórios, que diversas vezes são atingidos pelo fogo. A luta é redobrada e os registros de Ana Mendes servem como garantia de direitos para que as tribos maranhenses possam continuar a proteger os espaços que lhes pertencem.
(Créditos: Ana Mendes)
A reportagem fala sobre a iniciativa @historiasamazonicas, onde fotógrafos de toda a América do Sul contam as suas jornadas pessoais percorrendo toda a floresta amazônica e as incertezas ao lidar com os perigos da função. Instabilidade ao ultrapassar territórios distintos e até mesmo ameaças a sua integridade física são alguns deles. O projeto no Instagram, além de criar uma espécie de exposição com as fotos, também publica eventos relacionados ao tema, ressaltando a importância da participação popular nos mesmos. A Gama traz também depoimentos de cinco profissionais responsáveis por olhar a floresta através das lentes.
Num destes relatos, o fotojornalista Victor Moriyama fala sobre a sua experiência acompanhando o total desprezo às leis de proteção ambiental, em 2019, quando passou dois meses trabalhando em uma reportagem para o The New York Times sobre o desmatamento após o ano inicial de governo do atual presidente. “Tanto o cerrado como a Amazônia estão sob forte pressão do agronegócio e há um desrespeito total às leis”. De acordo com o INPE, no período de janeiro a agosto de 2019, houve um aumento de 82% dos incêndios florestais, em relação ao mesmo período do ano anterior. “Vimos muitas queimadas em áreas de preservação ambiental, mesmo com a proibição federal de qualquer tipo de queimada por 120 dias” diz Victor, à Revista Gama.
Um governo que não fiscaliza, não pune e não se assegura do cumprimento das leis, é um governo conivente com a devastação do meio ambiente. Bacias hidrográficas secando, ar se tornando irrespirável, espécies ameaçadas de extinção e vidas sendo realocadas à força são razões suficientes para que essa destruição chegue ao fim. Tal devastação afeta não só os povos da região norte, como todas as áreas do Brasil e diversas ao redor do globo. Além de ser o maior berço da diversidade ecológica, a floresta estabiliza o clima produzindo umidade, controla o regime de chuvas e produz água suficiente para toda a América do Sul.
Outra entrevistada foi a paulista Marcela Bonfim, que usa a fotografia como forma de dar voz as vidas negras que vivem em Rondônia. São, em grande maioria, quilombolas, imigrantes oriundos de Barbados e Haiti. De acordo com a fotógrafa, a pauta negra se tornou invisível no extremo norte amazônico, por isso o projeto (Re)Conhecendo a Amazônia Negra — citado na reportagem — existe e há nove anos está registrando a cultura negra da região. O trabalho serve também para reconhecer a miscigenação de povos e como sua história também é constantemente ameaçada pelas queimadas na floresta amazônica.
Retratos da Amazônia é chocante, mas necessária. Em cada registro realizado, existe um pedido de socorro. Há diversas formas de apoiar e divulgar os projetos focados na preservação ambiental, como por exemplo, compartilhando nas redes sociais e dando voz aos protetores. Promover e participar de campanhas de doações e fiscalizar o cumprimento das leis que coíbem a ação humana sobre a natureza são algumas delas. A reportagem se mostra necessária ao trazer em imagens, uma situação que pode passar despercebida. O pedido de socorro da Amazônia se torna cada vez mais alto conforme seu vibrante verde é tomado pelo pálido cinza depois que o fogo o destrói.
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