O jornalista Jon Krakauer vivenciou a morte de nove alpinistas durante a escalada ao topo do mundo. Entre eles estavam dois guias conhecidos da Nova Zelândia
Ana Clara Prevedello
(Capa do livro na edição da Companhia de Bolso / Imagem: Reprodução)
A 7900 metros de altura, a falta de oxigênio no cérebro é tão grande que pode causar edemas cerebrais, pulmonares e hipóxia - um estado que impede as funções corporais por falta de oxigenação - . E tudo isso aconteceu com os alpinistas que realizavam a escalada do monte Everest, o pico mais alto do mundo. No dia 10 de maio de 1996, eles foram surpreendidos por uma tempestade que matou nove clientes e dois guias. E se transformou numa tragédia.
Jon Krakauer, um dos sobreviventes, é jornalista, montanhista e escritor. Autor do best-seller Na natureza selvagem, Krakauer foi contratado pela revista norte-americana Outside para escrever sobre a crescente comercialização da escalada do monte Everest. O jornalista foi enviado para o Nepal em 1996. Como já tinha certa prática no alpinismo, decidiu viver a experiência completa e realizar um grande sonho de infância: escalar o topo do mundo.
Dois guias muito conhecidos da Nova Zelândia chefiavam as principais expedições de escalada do monte Everest: Rob Hall, responsável pela Adventure Consultants, e Scott Fischer, guia-chefe da Mountain Madness. A revista Outside contratou, para a escalada de Krakauer, a expedição da Adventure Consultants. O jornalista conseguiu chegar ao topo do Everest no dia 10 de maio de 1996. Dos cinco companheiros de equipe que também conseguiram chegar ao topo com Krakauer, quatro - inclusive Hall - foram surpreendidos por uma tempestade enquanto desciam da montanha e morreram. Além disso, cinco alpinistas que estavam realizando expedições com outros guias também morreram durante a descida, o que resultou, no total, em nove mortes.
Ao perceber que a reportagem para a Outside não seria suficiente para relatar a tragédia, o jornalista decidiu escrever o livro, com uma visão detalhada de todos os acontecimentos - os erros, acertos e imprevistos. Em um depoimento emocionante, Krakauer relata o papel do jornalista diante de imprevistos e catástrofes, e relembra a perda de colegas do alpinismo que se tornaram seus amigos.
(Expedição da Adventure Consultants. Da esquerda para a direita. De pé: John Taske, Stuart Hutchinson, Helen Wilton, Beck Weathers, Lou Kasischke, Michael Groom. Sentados: Doug Hansen, Susan Allen, Jon Krakauer, Andy Harris, Rob Hall, Frank Fischbeck e Yasuko Namba.)
Dos que aparecem na foto, Rob Hall e Andy Harris - guias da expedição - e os clientes Doug Hansen e Yasuko Namba morreram. Um dos relatos mais emocionantes do livro é a morte de Hall, que ficou sozinho a uma altitude de mais de 8400 metros. Ao se comunicar por rádio com seus companheiros, durante a tempestade, ele se despede dos amigos e da mulher, Jan Arnold, que estava grávida na época. Yasuko Namba, cliente japonesa da Adventure, virou manchete por todo o Japão: ela morreu congelada, sem nenhuma possibilidade de se levantar diante do temporal. Doug Hansen morreu ao lado de Yasuko. Durante a expedição, ele e Krakauer se aproximaram e viraram grandes amigos.
O jornalista relatou que, na altitude que estavam, entre 7900 e 8848 metros, o oxigênio era tão escasso que eles não conseguiam raciocinar normalmente. Isso deu margem a muitos erros, em sua interpretação. Krakauer questiona o motivo pelo qual os guias não desceram quando avistaram que uma tempestade se aproximava. Assim, teriam preservado suas vidas e de seus clientes.
O motivo inicial pelo qual Krakauer foi enviado - a crescente comercialização do Everest - também é um ponto-chave para entender os desdobramentos da história. A busca desenfreada por lucro com as escaladas do Everest coloca cada vez mais pessoas em perigo, e a tentativa de chegar ao topo do mundo a qualquer custo pode trazer consequências sérias à saúde de clientes e guias - e até mesmo provocar mortes. Outro problema é a poluição das montanhas com cilindros de oxigênio, abandonados em grande quantidade durante o trajeto.
O trauma causado pela tragédia acompanha Krakauer até hoje: ele deixa claro que sente culpa, tristeza e incompreensão diante da catástrofe, que ainda relembra de forma obcecada todos os detalhes e o que poderia ter feito para evitar as mortes. Ao citar Ortega Y Gasset no início do livro, Krakauer traduz seus sentimentos: “Os homens encenam tragédias porque não acreditam na realidade da tragédia que de fato está se desenrolando no mundo civilizado.”
“No ar rarefeito” é um relato brilhante, que deixa o leitor sem fôlego do início ao fim. Com um texto direto e detalhista, Krakauer consegue honrar amigos, colegas e guias que se foram durante a tragédia. O livro é um questionamento emocionante sobre o valor da vida e dos sonhos e sobre os limites da capacidade humana.
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