O livro-reportagem clássico, de John Hersey, reconstrói a explosão da bomba sob a ótica de seis sobreviventes
Caroline Simões
“Numa cidade de 245 mil habitantes, cerca de 100 mil haviam morrido ou iriam morrer em breve; outros 100 mil estavam feridos.” O trecho é do livro Hiroshima, do repórter vencedor de um prêmio Pulitzer, John Hersey, que reflete o cenário de completa destruição que a cidade japonesa se encontrava naquele 6 de agosto de 1945. Bastou uma só bomba, naquelas exatas 8 horas e 15 minutos da manhã, para provocar tamanha devastação.
(Capa do livro na edição da Companhia das Letras / Foto: Reprodução)
A primeira edição foi publicada cerca de um ano após o bombardeio, na revista The New Yorker, e foi um sucesso instantâneo. Os milhares de exemplares se esgotaram rapidamente nas bancas e a sua demanda só aumentava. O físico Albert Einstein tentou, mas não conseguiu comprar os mil que queria para distribuir entre seus colegas. Devido a seu sucesso, logo depois foi editada em formato de livro. Desde o início, Hiroshima já dava indícios de que seria uma das reportagens mais importantes de todos os tempos.
E eles faziam sentido: a experiência de ler Hiroshima é única. O mais incrível no processo de leitura da obra é o sentimento de empatia que ela desperta. O leitor se conecta às histórias dos protagonistas e abraça suas dores de uma maneira que é quase inevitável a sensação de inconformismo e o questionamento das motivações do ataque – se é que exista algum argumento que justifique tanta crueldade.
A obra é dividida em quatro capítulos: “Um Clarão Silencioso”, “O Fogo”, “Investigam-se os detalhes” e “Flores sobre ruínas”, que relatam desde os minutos antecedentes à explosão, até alguns anos depois. Quarenta anos depois da bomba, o autor volta a Hiroshima para entrevistar de novo os sobreviventes e escreve um quinto capítulo: “Depois da catástrofe”, em que ele mostra o que aconteceu com as vidas dos protagonistas nos anos seguintes.
Ao longo do livro e, principalmente, no último capítulo, fica nítido que o ataque nuclear trouxe consequências físicas e mentais irreparáveis para aqueles indivíduos. A vida deles nunca mais foi a mesma. Mas vale ressaltar que, por mais que a dor esteja presente em boa parte da obra, ela não se resume só a isso. Além da perda, ela mostra a superação e a ressignificação. Não só da vida das pessoas, mas também da própria cidade.
(Ruínas da cidade de Hiroshima, no Japão, após os Estados Unidos lançarem uma bomba atômica no local / Imagem: Universal History Archive/Getty Images)
O livro gira em torno de seis hibakushas (afetados pela bomba): a senhorita Toshiko Sasaki, os doutores Masakazu Fujii e Terufumi Sasaki, a senhora Hatsuyo Nakamura, o padre alemão Wilhelm Kleinsorge e o reverendo Kiyoshi Tanimoto. Mas essas escolhas não foram feitas ao acaso: Hersey entrevistou muitas pessoas, mas selecionou aquelas em que suas histórias, de alguma forma, se conectassem. O que evidencia a complexidade da obra que faz jus ao título de melhor reportagem do século XX.
É necessário lembrar que, como um bom e completo trabalho jornalístico, Hiroshima não foi feito sozinho. O autor contou com a ajuda do editor William Shawn e do fundador da The New Yorker, Harold Ross. A ideia de contar para os americanos o que de fato havia acontecido na cidade após o ataque foi de Shawn. E, embora não tenha tido efeitos imediatos na política do país em relação ao uso de bombas atômicas, tendo em vista a Guerra Fria, a obra causou um desconforto. A partir daquele momento, a população tinha compreensão do poder destrutivo da explosão.
É uma escrita direta e sem muito sentimentalismo, mas erra quem pensa que o texto não é sensível. A emoção da obra está em seu conteúdo e não em sua forma. Hersey humaniza as vítimas, não as retrata como meras estatísticas. Em Hiroshima, os números têm nomes e histórias. Certamente, o leitor já ouviu falar no ataque nuclear, mas, provavelmente, nunca pela perspectiva de quem sofreu de perto suas terríveis consequências.
Assim, Hiroshima cumpre brilhantemente seu papel de retratar um lado da guerra que poucas vezes é visto. É um verdadeiro exercício de compaixão. É uma leitura comovente e, por diversas vezes, angustiante, porém essencial em uma sociedade em que o ódio, a intolerância e a polarização tomam cada vez mais espaço.
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Ótima matéria, parabéns.
Que matéria incrível! Fiquei até com vontade de ler o livro!!