Maria Nobre
Charles Darwin foi um naturalista britânico do século XIX responsável por inúmeras contribuições para a ciência. A viagem a bordo do Baegle e suas consequentes descobertas, tal qual a consagrada “Teoria da Evolução”, renderam frutos até hoje utilizados por academicistas e profissionais de diversas áreas da ciência. Curiosamente, as inúmeras e minuciosas cartas deixadas por Darwin apontam para diversos problemas de saúde enfrentados por ele ao longo da vida, mas alguns - nesse caso os problemas mentais como ansiedade e depressão - o deixavam desabilitado e comprometiam, inclusive, sua contribuição científica. Ou seria o exato oposto e, na verdade, esses problemas impulsionaram seus feitos? É com esse questionamento que se inicia o artigo publicado, em 2010, na revista The New York Times pelo escritor estadunidense Jonah Lehrer.
O artigo “Depression’s Upside” é, na verdade, uma análise da publicação feita pelo psiquiatra e escritor J. Anderson Thomson juntamente com o psicólogo Paul W Andrews. O texto “O lado bom de não estar bem: a depressão como uma forma de analisar problemas complexos”, traduzido do inglês, foi publicado em 2009 e, como diz o título, enxerga e discorre sobre as “causas” da depressão e apresenta aspectos “funcionais” da doença. Basicamente essa questão, como é explicado no artigo, surge da tentativa de desvendar a seleção natural dentro da psicologia - ou seja, o que na mente humana é fruto de adaptações e o que é do acaso. Nesse contexto, Lehrer vai conduzindo o texto de forma gradativa, apontando pouco a pouco argumentos utilizados no “The bright side of being blue” e sua repercussão dentro da psicologia.
Capa do artigo “Depression’s Upside” no site da The New York Times Magazine/ Imagem: capa do artigo/reprodução
Logo no início do artigo o leitor é apresentado ao conceito de rumination dentro da psicologia. A ruminação - traduzido do inglês – seria aquilo que leva alguém a focar apenas em falhas e erros e, portanto, a desenvolver um estado negativo constante. Consequentemente, a tendência de entrar em um ciclo depressivo se tornaria maior. Nesse contexto, Andrews e Thomson começaram a explorar qual seria o propósito dessas “tendências ruminativas” na mente humana. E é aí que o texto começa a se aprofundar em uma espécie de direcionamento otimista para uma das piores doenças do século atual.
O olhar que pode ser entendido como otimista acerca da depressão, se trata de encontrar o gatilho para a ocorrência da doença. Por meio de exemplos como “uma depressão causada por um divórcio difícil”, o autor explica que os questionamentos acerca do porquê do divórcio podem se tornar uma forma de ruminação benéfica a partir do momento em que o sujeito questiona seu comportamento; nesse sentido, isso talvez o ajude a se preparar melhor para a vida de solteiro. Com muito do texto elaborado por meio de citações dos acadêmicos responsáveis pela publicação analisada, o artigo de Lehrer (que também poderia ser chamado de entrevista em alguns momentos) acaba, muitas vezes, se perdendo entre o que é sua opinião e o que são comentários de Andrews e Thomson.
Para os autores de The bright side of being blue, a falta de estímulo sexual, a perda de interesse em interagir socialmente e até mesmo o desinteresse na comida são sintomas produtivos. Lembra do gatilho que é responsável pela depressão citado no parágrafo anterior? Para eles, o cérebro produz esses efeitos “paralisantes” e que, muitas vezes têm consequências terríveis, para impedir que o sujeito em questão se distraia de seu verdadeiro “dilema”. Lehrer analisa isso de forma científica e, durante seu artigo, expõe relações entre pacientes acometidos pela depressão e a objetividade. O que o artigo e a publicação analisada propõem é: a depressão é capaz de aumentar a facilidade de assimilação das informações e de melhorar a atenção e, portanto, a capacidade intelectual do indivíduo também é beneficiada. Além disso, ambos também projetam que, sem a doença, é menos provável que as questões pendentes sejam resolvidas.
O artigo, entretanto, não traz apenas esse ponto de vista idealizado a respeito da depressão. Por meio de falas de alguns cientistas, o "Depression’s Upside" traz um pouco desse embate de ideias que, para um assunto tão sensível, é mais do que necessário. A falta de abordagem no que diz respeito aos diversos lados da doença como a depressão crônica faz da publicação apenas uma especulação; e para aqueles que se informam por meio da The New York Times Magazine, um jornalismo imparcial é fundamental. Nesse contexto, no sentido contrário ao apresentado na controversa publicação, o professor de Psiquiatria e Comportamento Humano da Brown University Peter Kramer cita que há diferenças claras entre uma pessoa saudável sendo confrontada por um problema e uma pessoa acometida pela doença. “Depressão não é como tristeza”, cita o acadêmico, “é como comprimir de forma opressiva os sentimentos”.
Apesar do “Depression’s Upside” abordar uma teoria, a análise de Jonah Lehrer termina seguindo sutilmente (ou não) o caminho defendido na publicação de Thomson e Andrews. Com um direcionamento questionável do início ao fim, o artigo não tem um final espetacular, mas ainda assim é uma leitura intrigante para os amantes da área. Vale ressaltar que a publicação é de 2010, logo, muito do que se lê no artigo deve ser confrontado na atualidade, a exemplo do questionamento sobre a eficácia de antidepressivos durante o texto que, hoje, é comprovada cientificamente.
Podemos avaliar, a partir da leitura, a necessidade de consumir conteúdos de segmentos diferentes do jornalismo, pois, apesar de o “Depression’s Upside” abordar uma teoria, basta um olhar menos crítico para que o plano teórico se torne efetivo, assim como é visto atualmente, dez anos após a publicação de Lehrer. Transtornos psicológicos, como a depressão, são um assunto recorrente na imprensa já que, de acordo com a OMS, cerca de 800 mil pessoas morrem anualmente vítimas de suicídio no mundo. Assim, é possível verificar com clareza a importância fundamental do jornalismo na evolução de questões como essa.
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