Sasha Baron Cohen expõe falhas da sociedade americana revestidas pelo seu humor "Very Nice!"
Por Ian Fracalossi
Borat: Fita de Cinema Seguinte é um excelente exemplar de pseudo-documentário. Mas o que seria isso? Bem, o filme possui toda a estrutura do gênero jornalístico. Entrevistas reais, pessoas reais, temas reais. Exceto um fator: O protagonista Borat e sua filha, que são atores interagindo com cidadãos comuns que não sabem que estão dentro de uma esquete de comédia. E é aí que mora a genialidade da produção.
Borat / Foto: Divulgação
No filme, Borat, interpretado por Sacha Baron Cohen, é o “ex segundo melhor repórter do Cazaquistão”. Ex, porque, após seu primeiro filme ter feito sucesso e desmoralizado a imagem do seu país de origem, Borat foi preso no Cazaquistão. Agora, 15 anos depois, Borat tem uma nova missão. A mando do seu chefe de Estado, Borat deve voltar aos Estados Unidos para melhorar a imagem do seu país. Seu plano é simples: entregar um presente a alguém próximo do presidente dos Estados Unidos. O presente é sua filha.
A ideia pode parecer absurda. Mas isso não é por acaso. Sasha Baron Cohen compõe um personagem entupido dos mais diversos tipos de preconceitos. Machismo, antissemitismo, homofobia, racismo. Mas também ingênuo e burro. O que faz com que ríamos DELE e não COM ele. Dessa forma, todos os absurdos propostos pelo personagem, além de chocar pelo constrangimento ou pela falta de noção, instigam e nos fazem pensar “Como alguém vai acreditar que isso seja real?”.
Borat conversando com uma sobrevivente do Holocausto / Foto: Reprodução
Para nossa surpresa, as pessoas não só acreditam que se trata de um documentário como, por vezes, as pessoas CONCORDAM com as atrocidades cometidas por Borat. E assim, disfarçado em um contexto jornalístico, Borat consegue não só se infiltrar nas mais diversas camadas e comunidades dos Estados Unidos, como também extrair delas depoimentos que, de tão absurdamente reais, beiram a caricatura.
O filme começou a ser gravado no início de 2020, ano de eleição nos Estados Unidos. Mas, como sabemos, 2020 foi marcado pela pandemia de covid-19. E aí está mais um grande mérito da produção: adaptar-se. Diante de um cenário inédito e completamente imprevisível, Borat toma um rumo completamente intrigante. Ele fica em quarentena com dois conspiracionistas apoiadores de Trump. O que rende excelentes cenas do Borat “aprendendo” com estes negacionistas e até mesmo formulando novas teorias delirantes.
Borat sobe ao palco de um dos encontros entre apoiadores de Trump e faz com que eles repitam os mais diversos absurdos. / Foto: Reprodução
E é desse jeito que se constrói o roteiro do longa. Pequenas esquetes, em sua maioria entre Borat e sua filha, que servem de deixa para que os personagens interajam com alguma pessoa real. Onde o imprevisível é a lei. Onde os atores devem estar muito seguros de seus personagens para que não sejam descobertos como farsas. E isso é muito bem feito. A dupla sabe improvisar e caminhar na linha tênue entre o absurdo e o crível. Sem deixar de conduzir a narrativa, compondo de forma coesa a trama maior.
Trama essa que tem seu ápice na entrevista da filha de Borat com Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova Iorque e forte apoiador de Trump. O objetivo era que nessa entrevista ela se entregasse a ele como “presente". E bem… não quero dar spoilers. Só digamos que essa entrevista não colou muito bem para a imagem do ex-prefeito.
Borat e sua filha. / Foto: Reprodução
E assim, Borat: Fita de Cinema Seguinte se consolida como mais uma grande obra de Sacha Baron Cohen, assim como sua antecessora. Humor ácido e afiado. Talvez não agrade os mais sensíveis a cenas de constrangimento. Mas os que suportarem o contorcionismo involuntário da vergonha com certeza se encantarão com o que vão encontrar. Mais do que uma sátira, o longa propõe um estudo sociológico revestido de besteirol. Quase como quem coloca o remédio misturado à ração do cachorro. E assim o público sai da sessão com boas risadas e com importantes reflexões. Fica a recomendação.
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