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Como Network - Rede de Intrigas expôs o controle do desejo popular pela mídia

Foto do escritor: Pitacos Pitacos

A sátira da comodificação da mídia aos interesses corporativos se demonstra cada vez mais profética


Por Rafaella Menegale


Network - Rede de Intrigas (1976) segue a história de Howard Beale (Peter Finch), um apresentador veterano de um telejornal, que sofre um colapso emocional e anuncia ao vivo que irá se suicidar. A decisão veio depois de saber que, em duas semanas, seria demitido devido aos baixos índices de audiência. Inesperadamente, Howard atrai fama e sua carreira toma outro turno quando a emissora percebe o poder lucrativo de ter um “profeta maluco” articulando a raiva popular.


Contém spoilers.


Howard Beale em seu icônico discurso: “I’m mad as hell and I’m not gonna take this anymore” (“Estou muito bravo e nao vou mais suportar isto”). Reprodução/IndieWire.


Lançado há 47 anos, o filme, escrito por Paddy Chayefsky e dirigido por Sydney Lumet, é um clássico à frente de seu tempo. Vencedor de quatro Oscars, ele explora a busca incessante pelo lucro e a manipulação da mídia em favor dos interesses de grandes corporações. Quando Diana (Faye Dunaway), executiva da UBS News, vê o discurso de Howard sendo notícia em todas as primeiras capas dos jornais do dia, ela insiste para Frank Hackett (Robert Duvall), diretor de programação da rede, manter Howard na programação. Segundo ela, o programa poderia salvar a emissora da falência. Frank explica a ideia para Nelson Chaney (Wesley Addy), presidente da UBS, dizendo: “Não somos uma rede respeitável. Somos uma rede prostituta! Temos que pegar o que conseguimos”.


No programa seguinte, Howard pede desculpas aos telespectadores e diz apenas que não aguenta mais baboseiras. Ele é demitido mas essa decisão é rapidamente revertida devido ao grande alcance de suas falas, o que naturalmente trouxe lucro a empresa. A resposta inicial ao novo Howard Beale Show não foi muito boa. A imprensa foi hostil e a reação do setor foi negativa. Posteriormente os índices foram caindo, indicando que a novidade estava se desgastando. Diane sugere que Max Schumacher (William Holden), velho amigo de Howard e presidente da divisão de notícias da rede, traga uma adivinhadora para fazer previsões de notícias. Na semana seguinte, os espectadores assistiriam novamente para confirmar ou não as previsões. Ela também sugere que passe a  desenvolver o programa e que alguns redatores sejam contratados para escrever falas mais “efetivas”, mais sobre perdição apocalíptica do que apenas reclamações. “TV é showbiz. Até o noticiário precisa ter um espetáculo”, afirma.


Diana Christensen e Max Schumacher em Network (1976). Reprodução/DeepFocusReview.


Max e Diana começam um relacionamento, apesar de ele ser casado. Durante todo o tempo do casal junto, Diane só sabe falar do trabalho. Ela é ambiciosa, fria, e, quando eles inevitavelmente terminam, Max compara Diana à televisão: indiferente ao sofrimento e insensível à alegria.


Após um tempo, Max começa a ficar realmente preocupado com o estado mental de Beale e ameaça tirá-lo do ar, porém, ele responde que nunca esteve tão sóbrio e desmaia, até que é levado para a casa do amigo. Lá, ele foge no meio da noite e aparece apenas horas depois encharcado no estúdio, e ninguém comenta nada sobre seu estado, reforçando o caráter apático do ambiente. Lá ele proclama seu icônico discurso: 


“Não preciso dizer que as coisas estão ruins. Todo mundo sabe que as coisas estão ruins. Não quero que você proteste. Eu não quero que você se revolte. Não quero que você escreva ao seu congressista, porque não saberia o que lhe dizer para escrever. Não sei o que fazer em relação à depressão e à inflação, aos russos e ao crime nas ruas. Tudo o que sei é que primeiro você precisa ficar bravo. Você tem que dizer: ‘Eu sou um ser humano, caramba! Minha vida tem valor!’ Então, eu quero que você se levante agora. Quero que todos vocês se levantem de suas cadeiras. Quero que você se levante agora mesmo e vá até a janela, abra-a, coloque a cabeça para fora e grite: ‘Estou tão louco quanto o inferno, e eu não vou aguentar mais isso!’”

 

Diana comemora a audiência. Max protesta contra a exploração do amigo, mas ela diz que agora o show é dela e Max é demitido por Frank. Ela começa a pensar em produzir uma série sobre terroristas, a “Mao Tse Tung Hour”, em que o Exército Ecumênico de Libertação forneceria imagens gráficas exclusivas de seus ataques para serem televisionadas.


“Televisão não é a verdade. É um maldito parque de diversões. Estamos no negócio de matar o tédio. Diremos qualquer porcaria que queiram ouvir. Lidamos com ilusões. Nós somos a ilusão. Desliguem a televisão.”, diz Howard Beale ao vivo um dia. A plateia aplaude.


Um dia, após o show de Beale já ter se tornado um total espetáculo de si mesmo, ele decide criticar a compra da CCA, Corporação de Comunicações da América, o conglomerado dono da UBS. Ela estaria sendo comprada pela Corporação de Financiamento do Mundo Ocidental, um conglomerado árabe ainda maior. Ele pede para que os espectadores se oponham a isso. 


Frank surta e acha que Arthur Jensen (Ned Beatty), o chairman da CCA, vai demiti-lo pois eles precisam do dinheiro árabe, já que havia uma queda de popularidade da rede. Jensen afirma querer falar com Beale pessoalmente. Este chega ao encontro gritando sobre a “revelação final”. Jensen grita um grande monólogo sobre como não há países, não há pessoas, não há democracia, não há América, há apenas dólares. Que Howard não apenas interferiu com um negócio, e sim com a ordem natural das coisas. “O mundo é um negócio, Sr. Beale”". Por fim, ele fala que escolheu Beale para pregar esse evangelho. E por que ele? “Porque você está na televisão, tolo”.


Howard Beale e Arthur Jensen em Network (1976). Reprodução/PopHistoryDig.


Naquela mesma noite, o programa de Beale foi ao ar justamente como solicitado por Jensen. Howard pregou a “cosmologia corporativa”, ou seja, essa visão de mundo baseada somente na existência das grandes corporações e seus interesses. Ele diz que a democracia e o indivíduo morreram. Desumaniza a audiência. A reação foi péssima, afinal, ninguém gosta de ouvir que sua vida não tem valor. Os índices de audiência caíram e promotores ameaçam tirar seus patrocínios.   


Diana quer imediatamente demitir Howard devido ao fracasso do show. Porém, Jensen quer Beale no ar, não se importando com os índices ou com se o programa perdia dinheiro pois acredita na mensagem sendo transmitida.


É decidido então, em uma reunião com Diana, Frank e outros empregados que Howard deve ser morto. Diana diz que consegue convencer alguém de sua série sobre Mao Tse Tung a assassiná-lo. E que, fazendo tal, conseguiriam um excelente programa para a temporada com essa estreia sensacional. Se livrando de Beale, eles conseguiriam manter uma audiência respeitável.


E assim é feito. Matam Beale no ar e culpam o Exército Ecumênico de Libertação.


O final com os diversos canais representam como, para a televisão, era apenas mais um dia. Propagandas de refrigerantes, famílias, todas interlaçadas com imagens do assassinato. E a programação segue.


Obviamente, o término do filme pode ser enxergado como um exagero do quão longe vai a manipulação dos controladores da mídia sobre alguém como Howard Beale e seus discursos, a ponto de moldá-lo, pressioná-lo e matá-lo com tamanha casualidade quando ele deixa de ser rentável. Porém, é justamente esse o ponto. Onde enxerga-se o limite? É possível? Os atos prévios ao assassinato não possuíam consequências sólidas? Noticiar é influenciar. É preciso que seja cuidadoso. Essas questões se mostram cada vez mais atuais, com eleições e movimentos que ganham forças monstruosas, que surgem simplesmente de um entretenimento midiático estratégico, que engaja, que dá audiência. E quando há um desastre, é só mais uma notícia. Só mais um dia. A programação segue. 





 
 
 

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