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Cercados: o jornalismo em meio à pandemia, ao negacionismo e à desinformação

Júlia Mendes


Lançado em 3 de dezembro de 2020 pela plataforma de streaming Globoplay, o documentário Cercados - a imprensa contra o negacionismo na pandemia acompanhou mais de 60 profissionais de 5 cidades diferentes - desde freelancers e fotógrafos a jornalistas de grandes veículos - durante a cobertura da maior crise sanitária mundial: a pandemia da Covid-19. Em quase duas horas de exibição, o longa alterna imagens de cemitérios, hospitais, redações vazias e, principalmente, a portaria do Palácio da Alvorada, onde os setoristas do Palácio são posicionados ao lado de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Não por acaso, o título do documentário é uma alusão direta a esse local que, de dimensão quadrada e delimitado por grades, foi apelidado de “cercadinho” do governo. O nome também alude à quarentena e à contradição de inúmeros repórteres, editores e apresentadores que, apesar da necessidade do isolamento naquele período, tinham que sair de suas casas e ir às ruas para buscar informações corretas e transmiti-las à sociedade.


(Capa Cercados. Imagem: Adorocinema.com)


Muito além de um filme de entrevistas, Cercados é um documentário de vivências e histórias. Durante os três meses em que acompanhou os diversos profissionais e suas coberturas, a produção recolheu um material muito rico, que mostra as nuances da rotina jornalística. Em entrevista à rádio CBN, a roteirista Eliane Scardovelli disse que o documentário possui uma “personagem coletiva” - a imprensa brasileira- e que o longa busca demonstrar a união histórica de todos os veículos que compõem essa personagem e que atuaram em prol do combate à desinformação. Em outras palavras, mesmo cercado, o jornalismo manteve-se firme. Em um cenário repleto de dificuldades impostas pelo governo federal na divulgação dos dados diários relativos a mortes e casos de Covid-19, em junho de 2020 foi criado o Consórcio dos Veículos de Imprensa para reunir, consolidar e divulgar tais números para a sociedade. E, como fica claro em Cercados, esse foi só o começo na luta contra o negacionismo.

Além de demonstrar os inúmeros desafios dos jornalistas na cobertura da crise sanitária, o documentário também destaca o conflituoso contexto político marcado pelo negacionismo, e que o jornalismo também teve de enfrentar. As declarações polêmicas do presidente, como “uma gripezinha não vai me derrubar”, “eu não sou coveiro”, “o brasileiro tem que ser estudado, ele não pega nada…”, entre outras, são exibidas no longa, somando-se às imagens da cobertura das duas primeiras demissões de ministros da Saúde: a de Luiz Henrique Mandetta e a de Nelson Teich.

“Ao mesmo tempo em que o país parava para ouvir as acusações de interferência do presidente na Polícia Federal, vimos um ministro da Saúde pedir demissão, o segundo na pandemia. E o número de mortes registradas diariamente subia e chegava a mil por dia, todos os dias. Foi um desafio imenso acompanhar os desdobramentos simultaneamente em cinco cidades, com equipes atuando para oferecer um olhar particular sobre a atividade jornalística no meio desse turbilhão”, diz o diretor Caio Cavechini

Entre cenas de jornalistas que acompanhavam famílias de vítimas da doença, repórteres de vários locais do país e editores de diferentes veículos, o documentário dá destaque às edições do Jornal Nacional durante a pandemia, bem como as reuniões de pauta e os bastidores do telejornal. Ao longo de todo o período de filmagem - até os dias atuais - o JN foi alvo de ataques do presidente. O documentário mostra, por exemplo, a reação de espanto dos operadores do JN quando ocorreu uma pane na transmissão ao vivo do jornal, em 12 de maio de 2020, e quando o Ministério da Saúde atrasou de 18h para 22h, a divulgação das mortes causadas pela Covid-19, impedindo o compartilhamento de dados durante o JN. Segundo a fala do presidente também exibida em Cercados, "acabou a matéria do Jornal Nacional”.

A luta contra a desinformação também é um aspecto explorado no documentário, que mostra a explosão de fake news sobre a existência da pandemia, o uso de medicamentos não reconhecidos pela OMS, a eficácia das máscaras e do isolamento, entre outras - que em sua maioria foram sustentadas e divulgadas pelo governo federal. Em contrapartida, também são exibidas passagens sobre o trabalho árduo de muitos jornalistas na checagem de fatos e no desmascaramento dessas fake news. "Em uma pandemia, você se informar com fake news pode custar a sua vida." - afirma Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha de S.Paulo, em trecho do documentário

Mais de um ano após o lançamento do Cercados, a imprensa segue resistindo ao negacionismo e à desinformação, fomentados, principalmente, pelo governo federal. Infelizmente, dois anos não cabem em duas horas de duração. Mesmo assim, o longa presta um serviço à população e às próximas gerações ao registrar todos esses acontecimentos, polêmicas e episódios em uma única obra. Muito mais do que um documentário, o longa é um registro histórico de um período que jamais ficará apagado na memória, embora não falte quem tente apagar ou distorcer o que se viveu. É por esse motivo que Cercados deve ser visto e revisto quantas vezes forem necessárias para que esse período da nossa história não fique esquecido no tempo, seja pela luta contra a desinformação e o negacionismo, seja pelas milhares de vidas perdidas em tempos tão turbulentos.


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